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sexta-feira, 29 de março de 2019

Introdução ao Estudo da Bíblia


MÓDULO 02 – INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA BÍBLIA[1]


1.        Introdução

A Bíblia não é um livro. É uma coleção de livros de diferentes épocas, lugares, gêneros e temáticas.  A leitura da Bíblia é pessoal e livre, porém, sua interpretação depende de um instrumento, de um método. O leitor atual se distancia no tempo, no espaço e na cultura do redator daqueles livros. Para a aproximação mais proveitosa da leitura desses textos antigos recorremos ao auxílio de algumas ciências como a história, a geografia, a hermenêutica.

2.        Histórico da redação e formação da Bíblia

O nome bíblia vem da língua grega biblía, plural de biblíon “livrinho”. Os judeus a denominavam de “Os livros sagrados”, na história coexistiram diversos nomes. No século V, a partir de João Crisóstomo, a expressão Tá Biblia começa a ser título.
Os termos “antigo testamento” e “novo testamento” assinalam as duas seções da Bíblia. O primeiro é escritura exclusivamente judaica. Já o segundo é judaico e cristão. Neste curso, chamaremos o AT de Escrituras Judaicas e o NT, de Escrituras Cristãs. Testamento reproduz o hebraico berît “aliança”. Paulo é o primeiro a usar esses nomes, sendo depois adotados pelos escritores cristãos do século III.
O processo de redação da Bíblia dependeu de muitos séculos. Não se trata de um texto unificado, linear. O AT[1] foi escrito de 1300 a. C. até 50 a. C. O NT foi elaborado dos meados do século I (51 d. C.) ao início do século II (100 d. C.).
Os títulos dos livros são tardios e alusivos ao conteúdo. Os judeus nomeavam os livros com as primeiras palavras do texto: Bereshît (“no princípio”) = Gênesis.
A divisão em capítulos data somente do século XIII, feita pelo cardeal Estêvão Langton e a subdivisão em versículos de 1551, por Robert Estienne.
As divergências na organização dos livros da Bíblia decorrem da diferença entre a Bíblia Hebraica (Palestina) e Bíblia Grega (Alexandria): Os salmos são numerados de forma diferente, na Bíblia grega os salmos9 e 113 são divididos em dois.
Os manuscritos eram feitos em pergaminhos (até o século II d. C.), que se desgastavam rápido, chegaram a nós, cópias de cópias. Na antiguidade e na idade média, eram poucas pessoas alfabetizadas. A Bíblia foi transmitida de gerações em gerações graças aos escribas profissionais e aos monges copistas. A sua propagação maior se deu a partir da invenção da imprensa pelo alemão Johannes Gutenberg em 1439.

3.        As partes que compõem a Bíblia

A tradição cristã ratificada no Concílio de Trento (1545-1563) reconhece 46 livros do AT. São divididos em: Históricos (21), didáticos (7), proféticos (18). Os cinco primeiros livros formam o Pentateuco. Na antiguidade não existia uma lista fixa de livros sagrados. Mas uma tradução dos livros judaicos do hebraico para o grego feita em Alexandria (Egito) do século III ao II antes de Cristo, esta continha todos os livros hoje conhecido como deuterocanônicos (para os católicos) ou como apócrifos (para os evangélicos). Porém, nos fins do século I, o concílio de Jâmnia determinou que somente os livros escritos em hebraicos seriam canônicos e isto excluía os deuterocanônicos.
O NT é composto por 27 livros, sendo: Históricos (5), didáticos (21), profético (1). Apesar de ter havido várias listas divergentes dos textos canônicos do NT, o consenso tornou-se unânime a partir de 397 depois de Cristo com o Concílio de Cartago.
A Bíblia Hebraica, estritamente falando, é dividida em: Torah (Pentateuco), Nebiim (profetas), Ketubim (os escritos), ao todo 39 livros. Este são os livros reconhecidos pelos seguidores do judaísmo. A edição da Bíblia Hebraica é conhecida como Tanak.

4.    As línguas originais

A Bíblia não foi escrita em português. Lemos traduções. Este fato é importante. O hebraico, o grego e o aramaico foram as línguas originais.
Em hebraico foi escrito todo o AT, com exceção dos livros chamados deuterocanônicos. Alguns textos poucos foram redigidos em aramaico como seis capítulos de Daniel, três de Esdras e um versículo de Jeremias.[2]
Em grego comum, além dos já referidos livros deuterocanônicos do AT, foram escritos praticamente todos os livros do NT. Segundo a tradição cristã, o Evangelho de Mateus teria sido primeiramente escrito em hebraico.

5.    Traduções e versões

A dispersão do povo judaico exigiu uma tradução dos livros para o grego. Esta foi concluída no ano 100 a. C. Chamada de versão dos Setenta, posteriormente adotada pelos cristãos.
No século II a. C., houve muitas versões, havia divergências quanto à aceitação por serem imperfeitas. No século V, Jerônimo realiza uma tradução ótima para o latim, conhecida como Vulgata. Recomendada pelo Concílio de Trento.
Para o português, a mais antiga e completa foi a tradução de João Ferreira de Almeida (1628-1691) publicada em 1753. É importante observar que atualmente não possuímos o texto original. Há apenas fragmentos de cópias antigas. As traduções não são exatas.
Mesmo diante dessas limitações históricas a fé cristã professa que a Bíblia é inspirada[2] (2Tm 3, 16-17), fielmente transmitida e preservada de erros em questões de fé e moral. A esta preservação de erros em questões fundamentais dá-se o nome de inerrância[3].  Mas isso não significa que não existam imperfeições materiais no texto bíblico.

6.    Canonicidade

Havia diversos escritos religiosos judaicos. Foi feita uma distinção e seleção dos livros inspirados. A Bíblia Grega do século I adotou livros não-contidos na hebraica. A questão só foi resolvida no século II. O primeiro cânon oficial do NT surge no Sínodo de Hipona, em 393. Lutero retomou o debate e a tradição protestante preferiu o cânon judaico. O Concílio de Trento reconheceu oficialmente o cânon alexandrino.
Quando se fala em cânon, estamos dizendo da lista de livros aceitos como inspirados por Deus. Portanto, existem dois cânones: Hebraico e alexandrino. O cânon hebraico contém 39 livros no AT. E o cânon alexandrino possui 46. Os livros que foram acrescentados são chamados de deuterocanônicos[4]. Esses livros são Tobias, Judite, I e II Macabeus, Sabedoria, Eclesiástico, Baruc e trechos de Ester (10, 4 a 16, 24) e Daniel (3, 24-90, e capítulos 13 e 14). A tradição católica acolheu o cânon alexandrino e a protestante, o hebraico.

7.    A Bíblia como literatura

A Bíblia é a literatura antiga dos judeus e dos cristãos. Ou seja, é um conjunto de escritos de vários gêneros e estilos. Cada modo de escrever exige também um modo próprio de interpretar. Tradicionalmente, distinguem-se dois sentidos: O sentido expresso pela palavra (sentido literal) e o sentido espiritual transmitido pelo texto (sentido pleno).
Existem dois estudos próprios da interpretação da Bíblia que são a exegese e a hermenêutica. Através desses estudos estabelecem-se critérios para entender um texto. É preciso considerar os seguintes aspectos:
Condicionamentos de tempo - Os livros da Bíblia são fruto do seu tempo. Por isso, se quisermos conhecer a mensagem de Deus, temos de conhecer o tempo e as circunstâncias históricas em que foi escrito cada um desses livros.
Condicionamentos de espaço - Uns nasceram na Arábia e outros na Palestina; uns no mundo helênico e outros no Império Romano; cada qual com o ambiente próprio, e o livro é filho também do ambiente que o viu nascer.
Condicionamentos de raça - Os livros da Bíblia procedem quase todos da raça semita e mais concretamente do Povo Judeu, que tem um modo de pensar e de se exprimir muito diferentes do nosso, que é preciso conhecer para entender a Palavra de Deus.
Condicionamentos de cultura - Além da cultura, também da mentalidade e da ciência dos autores que trabalharam na composição dos livros sagrados. Alguns livros levaram séculos a formar-se e são obra de muitos autores com mentalidades e cultura diferentes, e embora fossem inspirados, não foram privados da sua personalidade.

8. Gêneros e figuras de linguagem

Em se tratando dos gêneros, temos: Poesia e prosa. Do gênero poético, temos na Bíblia: canção (canções de guerra, de culto e canções profanas), poesia sapiencial (poemas didáticos, coleções de sentenças), sentenças e máximas e literatura profética (repreensões, ameaças, consolações, confissões e oráculos). Quanto à prosa: leis, documentos (contratos, decretos e genealogias[5]), preces, apocalipses (descrições do juízo final em forma de visões), narrativas edificantes (novela histórica), narrativas biográficas dos profetas, história da salvação, profecias e cartas.
O texto bíblico possui várias formas de expressão. Às formas indiretas e figuradas de se expressar damos o nome de figuras de linguagem. É importante conhecer as mais usadas: Comparação, metáfora, parábola, alegoria, fábula, símbolo, sinédoque, metonímia, antonomásia e hipérbole.
Explicação das figuras. Metáfora: É uma comparação abreviada. Metonímia: Troca de nomes relacionados entre si. Parábola: Uma narrativa que faz uma comparação imaginária. Alegoria: Uma metáfora, com sentido transferido, por semelhança. Fábula: Narrativa de cunho moral, na qual seres inanimados ou animais se comportam como o ser humano. Sinédoque: Designação do todo pela parte. Antonomásia: Substitui o nome por um qualificativo. Hipérbole: É um exagero de linguagem.

9. Geografia

O ambiente onde foi escrita a Bíblia envolve as regiões da Palestina, as comunidades gregas e Alexandria. Os livros protocanônicos nasceram na Palestina. Os deuterocanônicos surgiram no ambiente grego de Alexandria. O NT foi escritos em diversos lugares, desde a Palestina até as comunidades gregas. Portanto, duas culturas influenciaram a mentalidade presente nos textos: Cultura semítica e cultura helênica.

10. História

Para que se compreender os escritos bíblicos é necessário ter uma noção da história de Israel e do Império Romano. Em síntese, esta é a linha de tempo da Bíblia:



Antes de Cristo (AT)
1926: Abraão migra para Arã.
1800-1200: Tradição oral.
1200: Período tribal – o povo se instala em Canaã.
Primeiros fragmentos escritos (Código da Aliança)
1150-1050: tempo dos juízes.
1000: Primeiros escritos.
1040-922: Fase de ouro – os reis Saul, Davi e Salomão.
922-605: Reino de Judá – sul.
922-720: Reino de Israel – norte.
597-538: Exílio na Babilônia.
515: Reconstrução do templo.
333-135: Dominações dos selêucidas e lágidas.
167: Revolta dos Macabeus.
64: Os romanos dominam a Palestina.

Depois de Cristo (NT)
6-29: Vida e ministério de Jesus.
30: Primeiras comunidades.
70: Destruição de Jerusalém e diáspora.
90: Expansão do cristianismo.
135: Destruição de Jerusalém e diáspora final.


11. Cultura

As duas culturas que influenciam a redação dos livros bíblicos são bem diferentes. Os gregos são dados ao comércio, à educação, pensam o mundo racionalmente. Esses acreditam em vários deuses, seu sistema político é a democracia, vê o homem constituído de corpo e alma, existem o mundo material e o mundo espiritual, imortalidade da alma, céu e inferno. A expressão máxima dessa cultura é a filosofia. Sua língua foi o grego. Os homens mais importantes Homero, Sócrates, Platão, Aristóteles e Alexandre Magno.
Os judeus acreditavam em um só Deus, davam mais importância à religião, o sistema político é a teocracia, o homem é corpo, existe apenas o mundo material, não se pronunciam sobre imortalidade, acreditam apenas na morada dos mortos. A expressão máxima dessa cultura é o monoteísmo. Suas línguas foram o hebraico e o aramaico. Os homens mais importantes Abraão, Moisés, Davi, Salomão, Jesus e Paulo.

12. Judaísmo

O antigo testamento pertence ao judaísmo assim como o novo surge num cenário também judaico. Por isso, vamos entender um pouco sobre judaísmo. Esta religião surgiu da tradição de Moisés, crê em um só deus chamado YHWH, possui um pacto com essa divindade, crê que a Torá foi dada por ele. Os judeus guardam o sábado, não possuem sacerdotes atualmente, os rabinos são os dirigentes do culto, a sinagoga é o seu templo. O Antigo Testamento é a sua bíblia, chamada de Tanakh. Mas contém os protocanônicos.
O pacto divino foi estabelecido com Abraão. Os fundamentos da fé estão na lei dada por Moisés. O judaísmo surgiu somente a partir do exílio. Além da Tanakh, os judeus possuem comentários bíblicos com o Talmud e a Mishná.
O corpo doutrinário do judaísmo não possui as noções de céu, inferno, corpo, alma e nem vida após a morte. Os adeptos esperam um messias e um mundo futuro de paz que acontecerá neste mundo mesmo.

13. Estrutura da literatura bíblica

Para efeito de estudo, o AT é subdividido em: Pentateuco (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio), História deuteronomista (Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis), Obra do cronista (Crônicas, Esdras e Neemias), Literatura profética (Isaías, Jeremias, Ezequiel etc), Literatura sapiencial (Jó, Provérbios), Poéticos (Salmos).
No NT, temos: Sinóticos, Mateus, Marcos, Literatura Lucana (Lucas e Atos), Literatura Paulina (cartas de Paulo), Cartas católicas (Tiago, Pedro, Judas), Literatura Apocalíptica (Apocalipse de João) e Literatura Joanina (Evangelho de João, cartas de João).












PRINCÍPIOS PARA A INTERPRETAÇÃO DOS TEXTOS BÍBLICOS

A hermenêutica é o estudo sobre os princípios e o método de interpretar textos. O texto permite várias interpretações, mas ele estabelece por si um limite entre aquilo que se pode dizer dele e aquilo que não se pode dizer. Quanto mais o leitor se dispuser de instrumentos adequados, melhor será sua compreensão do texto.
Enquanto a ciência geral da interpretação é a hermenêutica, a exegese é o exame do texto bíblico. Há várias maneiras de examinar o texto. O leitor pode realizar uma leitura devocional com o objetivo de ouvir o que Deus tem a lhe falar ou pode realizar uma leitura acadêmica procurando aprofundar-se no sentido literal, social ou histórico do texto.[3]
Alguns critérios para serem adotados na leitura do texto:
1.    Contexto: Leia o texto completo até onde pode ser delimitado um trecho com sentido único (perícope); não reduza suas leituras a versículos isolados;
2.    Tempo: Procure localizar a época em que se pode localizar aquele texto, mesmo que seja de modo aproximado;
3.    Lugar: Do local, procure identificar de onde o autor está falando, considera sua inserção social em determinado contexto.
4.    Texto: Identificar as marcas linguísticas no texto que permitem a compreensão do sentido (nomes, lugares, expressões, verbos) e dentro de qual gênero literário se classifica o texto;
5.    Segmentação: Divida o trecho escolhido em quantas ideias ou conjunto de ideias forem possíveis.

1.    Exercício com o salmo 1:

1. Feliz o homem que não procede conforme o conselho dos ímpios, não trilha o caminho dos pecadores, nem se assenta entre os escarnecedores.
2. Feliz aquele que se compraz no serviço do Senhor e medita sua lei dia e noite. 3. Ele é como a árvore plantada na margem das águas correntes: dá fruto na época própria, sua folhagem não murchará jamais. Tudo o que empreende, prospera.
4. Os ímpios não são assim! Mas são como a palha que o vento leva.
 5. Por isso não suportarão o juízo, nem permanecerão os pecadores na assembleia dos justos.
6. Porque o Senhor vela pelo caminho dos justos, ao passo que o dos ímpios leva à perdição.

Perguntas necessárias ao texto:

a)      De quem o texto fala? Dos justos e dos ímpios.
b)      Qual é o tempo do texto? O tempo presente (“não procede, não trilha, se compraz”); no versículo 5, há uma predição do futuro (“não suportarão”).
c)      Como podemos segmentar o texto?
i.     Do versículo 1 ao 3: O autor descreve e elogia o justo porque  não seguem e nem procedem como os ímpios, os pecadores e os escarnecedores.
ii.   No versículo 4: O assunto agora é o ímpio. Há uma comparação (“Os ímpios não são assim!”). Os ímpios “são como a palha que o vento leva”.
iii. Versículo 5: Há um marcador que introduz o destino dos ímpios (“não suportarão o juízo” / “nem permanecerão ... na assembléia dos justos”).
iv. Versículo 6: A conclusão mostra qual é a situação dos justos e dos ímpios diante do Senhor (vela pelos justos / o caminho dos ímpios é o da perdição”).
d)     Qual é a idéia principal do texto? Há os justos e os ímpios. Os justos têm sua conduta aprovada por Deus, mas os ímpios andam no caminho da perdição.

Acesso aos eslaides: Clique aqui.

[1]Texto para o Estudo Teológico em São Barnabé, a 30 de março de 2019.
[2] FRANCISCO, Clyde T. Introducción al Antiguo Testamento. Casa Bautista de Publicaciones, Casa Bautista de Publicaciones, 1978, p. 20.
[3] ZABATIERO, p. 9.