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sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Reflexões Extra

LEVANTA-TE E VAI, TUA FÉ TE SALVOU[1]

Reflexão sobre ação moral e salvação pela fé no Novo Testamento

José Aristides da Silva Gamito

1.    Os imperativos do Evangelho
            Ao longo dos Evangelhos, percebemos a ocorrência de vários encontros entre Jesus e pessoas de fé. Uma característica notável desses encontros são os imperativos que Jesus vai proferindo. A reincidência desses comandos demonstra que a mensagem evangélica é dinâmica e ativa. Verifiquemos alguns desses. Na abertura do Evangelho de Marcos aparece um apelo forte “Arrependei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1, 15). Em seguida, começam a surgir os convites para seguimento como “Vinde em meu seguimento” (Mc 1, 17), “segue-me” (Mc 2, 14). A reflexão presente pretende enfocar os imperativos que ordena as personagens ao movimento.
            Jesus profere uma mensagem marcada pela prontidão, pela ação imediata. Após cada encontro, cada cura, a pessoa beneficiada é convidada a agir segundo a nova realidade experimentada no contato com o mestre. Em Marcos, vê-se a presença dos verbos “levantar” e “ir”. “Levanta-te, toma o teu leito e anda?” (2, 9), “Levanta-te e vem aqui para o meio” (3,3), “Menina, eu te digo, levanta-te” (5 41). E ainda, “Vai, tua fé te salvou” (10, 50) e “Vai para casa, para os teus” (5, 19).
            As narrativas de cura atualmente impressionam muito as pessoas por causa da esfera sobrenatural e a possibilidade de superação fácil do sofrimento. Porem, as curas de Jesus sofrem desdobramentos, resultam em um compromisso. Elas ocorrem com pessoas socialmente marginalizadas como portadores de hanseníase, deficientes físicos, visuais e auditivos. Através dos comandos, Jesus inclui as mesmas na vida social. São fatos perceptíveis nas expressões “levanta-te”, quer dizer tomar uma posição a altura dos demais, “vem para o meio”, traz a ideia de inclusão no espaço que pertence a todos. A sogra de Pedro é curada e põem-se a servir os visitantes (Mc 1, 31). A cura física e a inclusão se completam na expressão “tua fé te salvou”.

2.    A dinâmica da fé
            A mensagem de Jesus se sintetiza na seguinte trilogia ‘arrependimento/fé/seguimento’. Originalmente, o imperativo “arrependei” significa mudar de mentalidade, redirecionar pensamentos e vontade para uma nova situação. Somente realizada essa operação é que a fé se torna possível. A mudança de vida e de olhar sobre a vida precede o ato de crer. E o crer se concretiza no seguimento. O processo de conversão não é instantâneo, depende de alguns passos, de maturidade assim como a fé tem seus desdobramentos. O seguimento, por sua vez, possui condições. Em Mc 10, 21, a condição de seguimento apresentada por Jesus é desfazer-se dos bens e do apego à riqueza. Não era suficiente conhecer os mandamentos. O mesmo se percebe em 8, 34, nesse caso, a condição é autonegação, ou seja, a superação da dimensão individualista.
            Portanto, a fé leva ao seguimento. Por consequência, o próprio ato de seguir já significa movimento, engajamento, ação. A fé não é meramente uma aceitação verbal e ritual de uma afirmação. Diversos testemunhos bíblicos reforçam a ideia de que a fé por si não basta. Tiago insiste que a fé sem obras é nula (2, 17). Os rituais em si não possuem valor, “mas apenas a fé agindo pela caridade” (Gl 5,6), se não houver caridade crer perde seu sentido, por dentre todas as virtudes o amor é a maior delas (1 Cor 13, 13). Elas operam juntas na vida do cristão.

3.    A Salvação pela fé
            Quando se fala em salvação, afinal, quer dizer salvação de que? Salvação é sempre de um perigo, de uma ameaça. Qual esse grande perigo ao qual todos estão sujeitos? A Carta aos Romanos diz que Cristo redimiu o homem que estava preso pelo pecado e pela obediência a Lei (Rm 3, 21). Porém, salvação tem um sentido mais amplo e na linguagem bíblica a mesma palavra possui vários significados – Shalom[2] quer dizer “tranquilidade, prosperidade, bem-estar, amabilidade e inteireza total”.
            Salvar é garantir a vida integralmente, nos seus direitos e na sua própria natureza. Então, o grande perigo para o homem é não viver integralmente a sua natureza, não se tornar aquilo que é. Quando ele se perde na escuridão do egoísmo lesa a sua vida e a vida alheia.
            A salvação entra na vida do homem pela fé, uma fé operante, mas é dada “gratuitamente” (Rm 3, 24). Os méritos cabem exclusivamente a Deus. Nesse ponto, podemos harmonizar as posturas de Paulo e Tiago. A salvação é concedida gratuitamente por Deus, é acolhida pela fé em Jesus, e se solidifica na fé que age com caridade. Em síntese, salvação na bíblia é a garantia da vida em plenitude. Não basta somente professar e ritualizar o que crê, o que autentifica o processo é a ação que garante para todos saúde, alimentação, emprego, moradia, educação e lazer.
            Na descrição do juízo, Jesus considera benditos aqueles que praticaram justiça atendendo misericordiosamente os outros e garantindo-lhes alimentação, vestuário e liberdade (Mt 25, 31). No inicio de sua pregação o mestre apresenta o seu programa de ação – evangelização dos pobres, libertação dos presos, cura dos cegos, libertação dos oprimidos. São os grandes objetivos da salvação.

4.    Considerações finais - Levanta-te e vai, tua fé te salvou
            Diante dessas reflexões em torno do imperativo “vai” e da fé que salva, resta uma proposta a pessoa de fé da atualidade. O Evangelho é uma proposta dinâmica e engajada na vida, a fé da salvação é pratica. Portanto, é difícil conceber hoje a fome, a falta de educação, de moradia, de emprego numa sociedade que se diz crista. Hoje impera um cristianismo dividido, em parte muito ritualista e pouco comprometido com a história.
            O grande desafio da geração atual é revisitar o cristianismo primitivo e decidir vive-lo com mais dedicação e entusiasmo. A passagem de um catolicismo de tradição para uma religião como opção pessoal. Aproveite o convite a salvação esta pra todos, então, levante-se e vá, ajude a reavivar sua comunidade, comprometendo-se com os valores cristãos e com um cristianismo mais atuante e menos hipócrita.


[1] Palestra proferida no III Carnaval com Cristo, Conceição de Ipanema, 15/02/2010.
[2] SCHOKEL, Luis Alonso. Dicionário Biblico-Hebraico. São Paulo. Paulo, 1997, p. 672.

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