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domingo, 3 de novembro de 2019

Evangelho de João


EVANGELHO DE JOÃO

Era João o discípulo amado? Um mistério.

1. Introdução

O Evangelho de João é o mais tardio. Foi escrito por volta de 90 a 110. É uma obra anônima que foi atribuída a João, filho de Zebedeu. Seu estilo e conteúdo se aproximam das três cartas e do Apocalipse. Alguns estudiosos consideram estes livros como produção de uma comunidade relacionada ao apóstolo João. Porém, as obras são de autores diferentes.
É um evangelho totalmente diferente dos Sinóticos. Ele não inclui a descrição do batismo de Jesus, o chamado dos Doze, exorcismos, parábolas, a Transfiguração e a última ceia. Uma marca característica dos evangelhos mais antigos são as parábolas. Elas aparecem abundantemente em Marcos, Mateus, Tomé e Lucas.João contém alguns tipos de alegorias, mas propriamente as parábolas. O ministério de Jesus acontece dentro de um ano nos sinóticos, mas em João, foi dentro de três anos. A cronologia segue uma ordem diferente.

2. Estrutura do texto

O Evangelho de João se compõe de quatro grandes seções: Prólogo sobre o Verbo (1,1-1,18), Livro dos Sinais (2,1-12,50), Livro da Hora ou da Glória (11,1-20, 29), uma conclusão (20, 30-31) e o epílogo do 21,1 – 23. O primeiro livro inclui desde o casamento em Caná (2,1) até a ressurreição de Lázaro (12,50). Este primeiro livro contém sete sinais de que Jesus é o Filho de Deus, o Verbo encarnado.

O “Livro dos Sinais”, do ponto de vista narrativo, relata os setesinais realizados por Jesus ao longo do ministério público, começando exatamente nas Bodas de Caná. Jesus já é conhecido pelos seus discípulos e apresenta-se em plena atividade adulta, deslocando-se continuamente entre a Galiléia e Jerusalém. Os sete sinais, gestos(expulsão dos vendilhões do Templo), diálogos (com Nicodemos, com a Samaritana, com Marta e Maria), o discurso revelatório aos discípulos (Jo 6), as controvérsias com os Judeus (Jo 5, 7, 8, 10) ao longo deste livro querem conduzir o leitor para a realidade da fé naquele que realiza os Sinais e que revela a sua “glória” por meio deles: a glória, que se revelará definitivamente na “hora” da elevação na cruz. Aquele que realiza os Sinais é chamado insistentemente com o título “Filho”, “Filho de Deus” e “Filho do Homem” numa proporção muito maior que no resto do Evangelho. No Livro dos Sinais há a grande concentração dos títulos da filiação divina de Jesus.[1]

            O segundo livro interno de João é o Livro da Hora (11,1 – 20, 29). Esta unidade funciona como a realização da primeira. Os sinais são preparatórios para confirmar quem é Jesus. A hora conduz ao estágio final da glorificação. No 12, 23 aparece a expressão “É chegada a hora em que será glorificado o Filho do Homem”. Jesus diz que veio justamente por causa desta hora (12, 27). Na conclusão desta unidade, reaparece o tema da fé que é tão caro ao evangelista: “Porque viste, creste” (20, 29).[2]
            A conclusão está no 20, 30-31. Ela informa que Jesus realizou outros sinais que não estão naquele evangelho. E o motivo da redação do livro é para que os outros possam crer apartir dos sinais. Esta informação é repetida através de uma segunda conclusão em 21, 24-25. É um acréscimo de outro autor. Há um epílogo do 21,1 – 23 com aparição de Jesus ressuscitado no mar de Tiberíades.[3]

3. Características literárias e temáticas

O Evangelho de João possui um prólogo que contém um gênero literário totalmente diverso das demais seções. Trata-se de um hino cristológico que identifica Jesus com o Logos.
A seção narrativa se inicia com o ministério de Jesus. João testemunha em favor da messianidade de Jesus. Além do prólogo, as diferenças deste evangelho em relação aos Sinóticos é grande. João tem uma metáfora única para falar da missão de Jesus. Ele o chama de Cordeiro de Deus (Jo 1, 29).
São características importantes em João uma preocupação temática com o tempo. Dois discípulos de João foram à casa de Jesus pela décima hora.[4] No episódio das bodas de Caná, Jesus diz à sua mãe que sua hora ainda não tinha chegado. O evangelista introduz a perícope de 2, 1-12, com a expressão “No terceiro dia”. Portanto, toda a narrativa é construída em torno desta marcação do tempo.
A construção da idéia do tempo está relacionada com outra preocupação de João que são os sinais. O primeiro deles é o milagre de Caná (2,11). Os sinais eram realizados para que as pessoas acreditassem em Jesus (2, 23). O evangelho aborda um conflito entre a fé e a incredulidade. Por meio de sinais e de discursos Jesus revela sua identidade e a vontade do Pai.
Neste evangelho, Jesus discursa mais e sua fala é altamente mística. Ele se identifica com o Filho do Homem vindo do céu (3, 14). Os contrários mundo/reino, trevas/luz, verdade/mentira, estão presentes no modo como situa os discípulos no mundo em relação à sua mensagem. A identidade de Jesus é apresentada através de diversas metáforas: Pão da vida (6, 35), luz do mundo (8,12), porta das ovelhas (10, 7), bom pastor (10, 11), filho de Deus (10, 36), ressurreição e vida (11, 25), mestre e senhor (13, 13), caminho, verdade e vida (14,6) e a videira (15, 1). Além disso, Jesus se identifica com o Pai (14, 10).

4. A teologia de João: Verbo, sinais e a hora

O Evangelho de João é menos documental-histórico, destaca-se mais como uma leitura teológica da vida e da identidade de Jesus. É um testemunho sobre as obras de Jesus. Seu autor apresenta Jesus através de sinais que comprovam sua origem divina e sua mensagem traz uma verdade que separa as pessoas entre os que creem e os que não creem. A fé em Jesus conduz à vida eterna porque ele é caminho, verdade e vida. Essas metáforas aparecem constantemente para descrever a identidade mística de Jesus.
A identificação de Jesus com o Verbo é uma noção de ambiente grego. O Verbo ou Logos é um conceito presente em vários filósofos gregos. No estoicismo, movimento filosófico influente no tempo do Novo Testamento, ele é um princípio religioso e cósmico. É o princípio regulador do universo. Portanto, não se trata apenas de um som (palavra), mas de um princípio racional. No contexto cristão, o Logos é o modelo ideal e o agente da criação.
Os sete sinais da autoridade de Jesus. João não fala milagres, mas em sinais: 1º - Casamento em Caná (2, 1-11); 2º - cura do filho de um oficial de Herodes (4, 46-54); 3º - cura do paralítico no tanque de Betesda (5, 1-15); 4º - multiplicação dos pães e dos peixes para alimentar uma multidão (6, 1-15), 5º - caminhada sobre as águas do mar da Galileia (6, 16-21); 6º cura do cego de nascença (9, 1-7) e 7º - ressurreição de Lázaro em Betânia (11, 1-45).
A ressurreição de Lázaro gera a conspiração contra Jesus (11, 46-53). Os fariseus estavam preocupados com a popularidade de Jesus e o fato de ele pretender a coroa. No 11, 53, lê-se “Desde aquele dia, resolveram matá-lo”. A morte de Jesus aparece como o oitavo sinal e este o conduz a glorificação. Toda a preocupação de Jesus com sua hora que começa desde o casamento de Caná tem seu desfecho na morte.
O panorama teológico desenvolvido por João possui um vocabulário insistente. Seu evangelho é apresentado como o testemunho do discípulo para que os outros creiam. O termo martyría ocorre várias vezes. Ao lado dos sinais que são fatos que comprovam a identidade messiânica, há os testemunhos. O primeiro testemunho é de João: “tenho testificado que este é o Filho de Deus” (1, 34). Jesus comenta que se ele testemunhasse a respeito de si não seria considerado verdadeiro, mas havia outros testemunhos sobre ele (5, 31-32). Um deles é o testemunho de João. O segundo é as obras que Deus lhe permitiu realizar (5, 36). Mas como ninguém ouviu o parecer de Deus, existem as Escrituras que testemunham a favor de Jesus (5, 39).
Uma discussão semelhante sobre a validade do testemunho é retomada no capítulo 8, 13. Jesus recorda que a Lei exige a testemunha de duas pessoas para ser verdadeiro, ele diz que ele testemunha sobre si e o Pai também (8, 18). Na crucificação, o evangelista diz aquele que viu estes fatos dá testemunho e ele é verdadeiro (19, 35). Portanto, todo o livro internamente e externamente funciona como uma coleção de testemunhos (20,31; 21,24).
O testemunho é uma importante fonte de conhecimento e o autor do evangelista parece que tinha consciência disso. Ele apresenta a sua obra insistindo na importância da testemunha ocular. Há três ou quatro testemunhos importantes: a) Testemunho de João; b) Testemunho de si/Testemunho do Pai e c) Testemunho das Escrituras. A primeira Epístola de João inicia com a mesma preocupação. Ela fala da testemunha ocular que transmite a fé aos novos cristãos (1 Jo 1, 1-3).
Afinal, este testemunho é sobre quê e sobre quem? É sobre Jesus e sobre o evento da encarnação. É um testemunho sobre a luz verdadeira que veio iluminar todo homem e lhe oferecer condições para alcançar a vida eterna. Esta luz causa uma divisão entre aqueles que a reconhecem e são salvos e aqueles que a rejeitam e são condenados.


Referências
MINCATO, Ramiro. A Macroestrutura Narrativa do Quarto Evangelho. Teocomunicação, Porto Alegre, v. 37, n. 155, 2007, p. 49-59.



[1]MINCATO, Ramiro. A Macroestrutura Narrativa do Quarto Evangelho. Teocomunicação, Porto Alegre, v. 37, n. 155, 2007, p. 49-59.
[2]MINCATO, 2007, p. 49-59.
[3]MINCATO, 2007, p. 49-59.
[4] Nesta contagem do tempo, a décima hora corresponde às 16 horas. Há várias designações de horas em João.  A primeira hora seria as 6 horas da manhã (F. D. Bruner, Carson, Jamieson, Keener, Köstenberger, Kruse, MacArthur, Morris, Stallings). A divisão das horas dos judeus: Primeira (6 horas); Terça (9 horas), Sexta (12 horas); Nona (15 horas).

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