AS
EPÍSTOLAS PASTORAIS
1. Introdução
Desde
o século XVIII, as epístolas de 1º e 2º Timóteo e de Tito são chamadas
epístolas pastorais. São epístolas que têm por objetivo é passar instruções
para esses “pastores” (Timóteo e Tito). As três epístolas não são consideradas
de autoria de Paulo desde o século XIX. Estes textos são inteiramente distintos
das obras de Paulo. A diferença de vocabulário é a razão para a rejeição da
autoria paulina.[1]
As
epístolas pastorais procedem de autores imediatamente ligados ao ensinamento de
Paulo. Podem ter sido escritas depois da morte de Paulo por algum de seus
discípulos. As razões para esta consideração são as diferenças de estilo e de
teologia. Além disso, 1ª e 2ª Timóteo e Tito são epístolas de instrução. Paul Zehr
as identifica como “cartas de mandado” (mandata
príncipis).[2]Elas
possuem um gênero epistolar específico e se diferem das epístolas paulinas
autênticas. Soma-se a estas diferenças a falta delas em alguns manuscritos
antigos.
São
chamadas de epístolas pastorais porque são destinadas a líderes de comunidade
para instruí-los de suas responsabilidades.[3] As
outras epístolas paulinas são destinadas a determinadas comunidades. As duas
primeiras epístolas foram dirigidas a Timóteo. Timóteo foi um discípulo de
Paulo, nascido em Listra (At 16, 1-2.20, 4). Sua mãe era judia, mas seu pai era
gentio (At 16,1). Ele tinha conhecimento das Escrituras desde a infância (2 Tm
3, 14-15). Sua se chamava Eunice e sua vó, Lóide (2 Tm 1,5). Acompanhou Paulo
em suas missões.[4]
Eusébio de Cesareia diz que Timóteo foi o primeiro bispo de Éfeso[5] e
que morreu por volta do ano 97. De acordo com a obra “Atos de Timóteo”[6],
ele foi assassinado por fiéis de um culto pagão durante um festival chamado Katagogia.
As
epístolas foram dirigidas a Timóteo que vivia em Éfeso. A cidade de Éfeso era a
capital da Província da Ásia Menor. Sua localização era próxima de um porto no
mar Egeu. Era a quarta maior cidade do Império Romano e tinha uma população de,
aproximadamente, 25 mil pessoas.[7]
Era um campo desafiante para a missão dos primeiros cristãos. Éfeso era um
centro de práticas mágicas. A religião dominante era politeísta e o culto mais
influente era o da deusa Ártemis.[8]
A
terceira epístola pastoral é dirigida a Tito. Este foi também um companheiro de
missão de Paulo. Era natural, provavelmente, da Antioquia. Ele foi enviado para
organizar a igreja em Creta. Segundo a tradição, lá ele foi bispo e morreu por
volta de 107. A capital da ilha de Creta era Gortina. Tito foi bispo nesta
cidade.
2. 1ª Epístola a
Timóteo
A
1ª Epístola a Timóteo oferece instruções para os líderes da igreja. O propósito
da epístola é corrigir falsas doutrinas que estavam sendo ensinadas na
comunidade de Éfeso. O autor da epístola dá ordens a Timóteo para corrigir as
pessoas que estavam ensinando falsas doutrinas (1, 3-4).
A
1ª
Epístola de Timóteo tem a seguinte divisão: Endereço 1,1-2, I - Anúncio
do evangelho 1,3-20, II - A organização do culto 2,1-15, III - Os ministros da
igreja 3,1-16, IV - O múnus pastoral 4,1-6,2ª e Conclusão 6, 2b-21. Na primeira
parte, o autor recomenda Timóteo para admoestar àqueles se ocupavam de outras
doutrinas. Havia uma excessiva preocupação com o conhecimento de informações
desnecessárias. O que importa é a fé em Jesus Cristo e a sua graça e
misericórdia. A segunda parte trata de instruções sobre orações litúrgicas,
sobre o vestuário e o silêncio das mulheres.
Na
terceira parte, as instruções são dirigidas à liderança da Igreja. O autor
apresenta as credenciais para o ministério dos bispos e dos diáconos. Na quarta
parte, exorta sobre os cuidados pastorais e de como se relacionar com os
membros da comunidade: os anciãos, as viúvas e os escravos. O texto termina
retomando a preocupação inicial com o ensinamento verdadeiro e recomenda Timóteo
para ser guardião da Tradição. Vejamos alguns temas da epístola:
As falsas doutrinas.
Alguns “doutores” da Lei estavam levantando especulações em Éfeso a respeito de
fábulas e de genealogias (1 Tm 1, 3-4). Alguns textos apócrifos procuravam saciar
a curiosidade do povo por meio de histórias de personagens bíblicos. O Livro
dos Jubileus narra fatos semelhantes. O tema das falsas doutrinas é retomado no
capítulo 4, o autor de Timóteo condena a postura dos gnósticos que proibiam o
casamento e dos cristãos judaizantes que impunham restrições alimentares. Os encratistas
também o faziam (1 Tm 4, 2-3).
Jesus como mediador.
Jesus é apresentador como o mediador entre Deus e os homens e que sua morte
serviu de regaste da humanidade (1 T 2, 5-6). Este conceito é compartilhado com
a Epístola aos Hebreus 8, 6.
Prescrição comportamental para as
mulheres. Elas devem vestir-se com modéstia e sem usar
adornos e acessórios (1 Tm 2, 9-10). O autor nega o direito de a mulher ensinar
e recomenda o seu silêncio na assembleia (1 Tm 2, 11-14). O ponto mais obscuro
desta orientação é quando o autor condiciona a salvação da mulher à maternidade
(1 Tm 2, 15).
As instruções para os aspirantes a
ministérios. O epíscopo. Há instrução para quem se
candidata ao episcopado: deve ser esposo de única mulher, irrepreensível, sóbrio,
competente no ensino (1 Tm 3, 2-3). Neste período da formação da Igreja, ainda
não havia vínculo entre ministério e celibato. O diácono. Eles devem ser respeitáveis, sem o vício do álcool, sem
ambição, devem ser esposo de uma única mulher (1 Tm 3, 8-13). Quanto aos
presbíteros, não deve ser imposto as mãos sobre qualquer pessoa (1 T 5, 22).
As
instruções são dirigidas às demais categorias de pessoas da comunidade. Os
anciãos e os jovens devem ser repreendidos com afabilidade. Às viúvas o autor pede que confiem em Deus e
perseverem na oração (1 Tm 5,5).
As viúvas.
A epístola nos informa a respeito de um grupo de viúvas. Elas deveriam ser
inscritas a partir da idade de 60 anos e deveriam ter bons antecedentes. A
condição da viúva no mundo greco-romano era de desamparo e de submissão. A necessidade
de cuidar das necessidades das viúvas gerou a instituição dos diáconos em At
6,7. Na comunidade de Éfeso, havia muitas viúvas e não havia recursos
suficientes para atendê-las. O autor pede atenção para aquelas mulheres verdadeiramente
viúvas. As famílias que tivessem suas viúvas deveriam suprir suas necessidades
para não onerar a igreja (1 Tm 5, 16). Para evitar o problema econômico, às
viúvas jovens se recomendam que se casem (1 Tm 5, 14).[9]
A
respeito dos escravos, o autor
aconselha para que não desrespeitem seus senhores e os sirvam ainda melhor (1
Tm 6, 1-2). Uma repreensão é dirigida
aos “falsos doutores” que
transformam a religião em fonte de lucro e se deixam levar pelo amor ao
dinheiro (1 Tm 6 3-10). Aos ricos, o
autor pede para quem sejam aconselhados sobre a instabilidade da riqueza e que
eles sejam capazes de partilhar (1 Tm 6, 17-19).
3. 2ª Epístola a
Timóteo
A
2ª
Epístola de Timóteo tem um tom mais pessoal. O autor fala mais de si e
não dá as mesmas instruções para os pastores. Se formos classificá-la como
“carta de mandado”, temos relativizar de 0um pouco o conceito. O livro pode ser
estruturado da seguinte forma: Endereço 1, 1-5, I – Exortações para um serviço
1, 6-2, 16, II – Instruções para uma doutrina correta 3, 1-4, 5, III –
Recomendações para um encontro rápido 4, 6-18 e a conclusão 4, 19-22.
No
endereçamento da epístola, Paulo (autor) deseja reencontrar Timóteo. Aparecem
as informações de que a mãe Eunice e a avó Lóide de Timóteo eram cristãs (2Tm
1, 5). Em seguida, o autor recomenda a Timóteo que permaneça com o mesmo
carisma que recebeu quando recebeu a imposição de mãos da parte dele. Em tom
pessoal, o apóstolo fala daqueles que o abandonaram como Figelo e Hermógenes (2
Tm 1, 15). Mas se lembra dos serviços prestados por Onesíforo (2 Tm 1, 16-18).
Paulo
aconselha Timóteo a se manter firme na fé apesar das adversidades e retoma a
recomendação sobre as discussões excessivas que podem conduzir a falsas
doutrinas. Sabemos que uma destas especulações era sobre a ressurreição (2 Tm
1, 17). Este mesmo tema é também tratado em 1ª Timóteo. O autor pede para
Timóteo fugir das paixões da mocidade e seguir a justiça, a fé e a caridade (2
Tm 2, 22) No capítulo 4, há uma exortação para Timóteo como pastor para
ensinar, refutar exortar a comunidade com paciência e doutrina (2 Tm 4, 2).
Este tom lembra o tom da “carta de mandado”.
Todas
essas recomendações a Timóteo para que ele mantivesse fiel aos ensinamentos
paulinos, soam como um testamento. Paulo diz que está terminando a sua carreira
e que muitos o abandonaram, apenas Lucas está com ele (2 Tm 4, 11). E chama
Marcos para trabalhar com ele no ministério.
Muitos colaboradores o abandonaram, somente Lucas permaneceu com ele. O autor se despede com saudações e
recomendações ( 2 Tm4, 19-22).
4.
Epístola a Tito
A
Epístola
a Tito assemelha-se mais à 1ª Timóteo. Logo após o endereçamento da
epístola (1, 1-4), Paulo (ou alguém em seu nome) inicia suas instruções
pastorais. Ele instrui Tito a instituir presbíteros em cada cidade e apresenta
a exigências para que alguém seja presbítero ou epíscopo (1, 5-9). A exigência
para se tornar presbítero é ser homem casado com uma única mulher, ser sóbrio e
ter filhos educados (2 Tm 1, 5-6). Do modo, o epíscopo deve ser irrepreensível,
sóbrio, honesto, hospitaleiro e disciplinado (2 Tm 1, 7-8).
Da
mesma maneira que feita na 1ª Timóteo, o autor pede para repreender aqueles que
ensinam doutrinas diferentes. Parecia haver dois procedimentos – um grupo que
defendiam a circuncisão como obrigatória (1, 10) – e aquele grupo que gostava
de especular sobre fábulas e genealogias judaicas (1, 13).
Em
seguida, o autor recomenda exortar todas as categorias da comunidade: mulheres,
jovens e escravo (capítulo 2). Os velhos devem ser sóbrios e respeitáveis. As mulheres
idosas devem ser comportar como pessoas santas e exemplo para as recém-casadas.
O papel da mulher na comunidade é de
submissão. As mulheres devem amar seus maridos, seus filhos e serem boas
donas-de-casa. Os escravos devem ser obedientes (2 Tm 2, 1-10). As virtudes
valorizadas neste contexto são o autodomínio, a justiça e a piedade (2 Tm 2,
12).
Depois
faz algumas recomendações sobre comportamento civil (capítulo 3). Os cristãos
devem ser submissos aos magistrados e às autoridades. Eles devem ser delicados
com os outros, cavalheiros e honestos (2 Tm 3, 1-2). E encerra insistindo que
Tito esteja mais atento à prática do bem do que as discussões facciosas (3,
8-11). Por fim, há uma despedida com saudações e de reclamações (3, 12-15).
Referências
HENDRIKSEN,
William. 1 e 2 Timóteo e Tito. 2ª
edição. São Paulo: Cultura Cristã, 2001.
ZEHR, Paul M. 1
& 2 Timothy, Titus. Pennsylvania; Ontario: Herald Press, 2010.
CARREZ, M e
outros. As cartas de Paulo, Tiago, Pedro
e Judas. São Paulo: Paulinas, 1987.
BOLENDER, Robert L. The life of and Epistles to Timothy. Austin: Austin Bible Church,
2009.
CESAREIA, Eusébio
de. História Eclesiástica, 3.4.
GAMITO, José
Aristides da Silva. Violência e gênero no texto bíblico: o silenciamento das
mulheres na primeira epístola a Timóteo 2, 9-15. Revista Unitas, v. 6, n. 1, p.
1-13, 2018.
STRELAN, Rick. Paul,
Artemis and Jewish in Ephesus. New York: De Gruyter, 1996.
TAMEZ, Elsa. O
ministério para as viúvas e das viúvas em 1 Timóteo 5,3-16. Ribla, n. 66, p. 207-216, 2010.
[1] HENDRIKSEN, William. 1 e 2 Timóteo e Tito. 2ª edição. São
Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 10-12.
[2]
ZEHR, Paul M. 1 & 2 Timothy, Titus.
Pennsylvania; Ontario: Herald Press,2010, p. 29.
[3] CARREZ, M e outros. As cartas de Paulo, Tiago, Pedro e Judas.
São Paulo: Paulinas, 1987, p. 245.
[4] BOLENDER, Robert L. The life of and Epistles to Timothy.
Austin: Austin Bible Church, 2009, p.4.
[6]
Os “Atos de Timóteo” são
uma obra escrita por Polícrata de Éfeso no final do século segundo. O texto
narra alguns acontecimentos da igreja de Éfeso, inclusive, o martírio de
Timóteo (https://www.nasscal.com/e-clavis-christian-apocrypha/acts-of-timothy/).
[7]
GAMITO, José Aristides da
Silva. Violência e gênero no texto bíblico: o silenciamento das mulheres na
primeira epístola a Timóteo 2, 9-15. Revista Unitas, v. 6, n. 1, 2018, p. 1-13.
[9]
TAMEZ, Elsa. O ministério
para as viúvas e das viúvas em 1 Timóteo 5,3-16. Ribla, n. 66, 2010, p. 207-216.
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