A
IGREJA APOSTÓLICA A PARTIR DOS ATOS DOS APÓSTOLOS
1.Introdução
Os
Atos dos Apóstolos são um texto do gênero “romance de aventuras” no qual são
relatados os primeiros passos da Igreja. É uma obra considerada continuidade do
Evangelho de Lucas e escrita entre os anos 61 a 63. Ele é importante para
compreender a formação do cristianismo na fase apostólica e funciona como
contexto social e histórico para a leitura das cartas paulinas.
Lucas
dirige seu relato a um determinado Teófilo (At 1,1). Depois da ascensão de
Jesus, os discípulos permaneceram em Jerusalém (At 1, 9-14). Depois do episódio
de Pentecostes (At 2, 1-13), os apóstolos começaram a pregar e a testemunhar
sobre a ressurreição de Jesus. Inicialmente, os cristãos eram apenas um grupo
de judeus que se reuniam em torno do nome de Jesus. O convite da pregação
apostólica se resumia em: a) arrependimento e batismo em nome de Jesus para a
remissão dos pecados (At 2,38), b) a recepção do Espírito Santo. Vamos a
compreender a estrutura do livro!
2.
A estrutura dos Atos dos Apóstolos
O
texto começa com a introdução (1,1-26) na qual o autor comenta sobre sua
intenção de continuar os relatos sobre os apóstolos (1-3). Ele contém um nexo
com o terceiro evangelho, apresenta Jesus fazendo suas últimas recomendações
aos discípulos e ascendendo ao céu (4-11); estes voltaram para Jerusalém e
ficam aguardando o Espírito Santo (12-14); Matias substitui Judas no grupo dos
doze (15-26).
O
corpo do texto pode ser assim dividido: Primeira parte (2,1-8,3). A mensagem
evangélica em Jerusalém. 1. Descida do Espírito Santo e inícios da Igreja
(2,1-47). 2. Cura do paralítico, lutas de Pedro e dos apóstolos contra o
Sinédrio e primeira perseguição (3,1-4,31). 3. Progresso e vida interna da
Igreja, como efeito da obra e dos prodígios dos apóstolos. Ananias e Safira. Segunda
perseguição (4,32-5,42). 4. Eleição dos diáconos helenistas; missão de Estêvão
e seu martírio; terceira perseguição com a consequente dispersão dos fiéis
(6,1-8,3).
Segunda
parte (8,4-12,25). Os apóstolos continuam a pregação de Jesus enfatizando sua
ressurreiçãona Judeia e na Galileia, na Samaria e entre os gentios, até
Antioquia. 1. Missão de Filipe (confirmada por Pedro) entre os samaritanos e
com o eunuco etíope (8,4-40). 3. Missão de Pedro na Judéia e entre os gentios,
em Cesareia (9,31-11,18). 4. A Igreja entre os gentios na Fenícia, Síria e
Antioquia (11,19-30). 5. Quarta perseguição, morte de Tiago, prisão e
libertação de Pedro, morte do perseguidor (12,1-25).
Terceira
parte (13,1-28,31). Depois das perseguições sofridas no território da
Palestina. Os apóstolos começam a enviar pessoas para evangelizar outras
regiões. A mensagem é dirigida ao mundo greco-romano. 1.Primeira viagem
apostólica de Paulo: na Ásia Menor (13,1-14,27). 2. Concílio de Jerusalém, que
sanciona a independência em face da lei para os gentios (15,1-34). 3. Segunda viagem apostólica de Paulo: na Macedônia
e na Grécia (15, 35-18,22). 4. Terceira viagem apostólica de Paulo: na Ásia
Proconsular, na Grécia e na Macedônia, até ao Epiro (18,23--21,16). 5. Prisão
de Paulo em Jerusalém e mensagem ao Sinédrio (21,17-23,11). 6. Prisão em Cesareia
e mensagem para Félix, Festo e Agripa (23,12-26,32). 7. Viagem até Roma, prisão
e mensagem aos judeus e aos gentios (27,1-28,31).
3.
Igreja de Jerusalém
A
Igreja que se reuniu em Jerusalém continuava frequentando o Templo. O autor de
Atos mostra Pedro e João indo ao Templo para a oração das três horas (At 3,1).
As Escrituras passaram a ser interpretadas a partir da vida de Jesus e a fração
do pão tornou-se um hábito característico deste novo grupo (At 2, 42). Os
apóstolos atraíam seguidores por meio de sinais e de prodígios (At 5,12). Mas a
relação entre esta nova seita e o judaísmo tradicional foi se complicando.
Começaram as prisões e as acusações. O Sinédrio tornou-se o grande opositor dos
cristãos em Jerusalém. Por diversas vezes, os apóstolos foram presos e
interrogados. O famoso rabino Gamaliel aconselhava para que perseguissem os
apóstolos porque considerava este movimento passageiro como aconteceu com
Teudas e Judas, o Galileu (5, 34-39).
À
medida que o número de seguidores ia aumentando, os apóstolos foram criando
novos procedimentos administrativos para coordenar o grupo. Eles, então, instituíram
um grupo de sete homens para organizar os trabalhos, principalmente, para a assistência
às viúvas: Filipe, Prócoro, Nicanor, Timon, Pármenas e Nicolau (6, 1-6). A
partir deste grupo, notamos a presença de seguidores de fora de Jerusalém.
A
Igreja nasce e se organiza a partir de Jerusalém. Havia discípulos na Judeia,
na Galileia e na Samaria (9, 31). Como havia judeus espalhados por todas as
regiões do Império Romano, estes se tornaram pontos de contatos para que o
cristianismo fosse difundido. Em muitas cidades em torno do mar Mediterrâneo
havia sinagogas. Filipe, logo no início dos Atos, converte e batiza um etíope
(8, 26-31). Paulo, porém, será o elo mais exitoso da difusão do cristianismo
entre os gregos. Depois de sua conversão, ele enviado para Tarso (9, 30).
A
partir da morte de Estêvão, muitos discípulos foram para a Fenícia, Chipre e
Antioquia. Inicialmente, eles procuraram converter somente judeus. Porém,
alguns cipriotas e cretenses acabaram pregando para os incircuncisos em
Antioquia. Barnabé partiu de Jerusalém e levou Paulo para trabalharem em
Antioquia (11, 19-25). Com esta primeira expansão da Igreja, Paulo e Barnabé
são separados para pregar as cidades helenistas (12, 25).
4.
Cristianismo judaico e cristianismo helenista
Durante
as três primeiras décadas, a Igreja foi se expandindo pelas comunidades da Ásia
Menor e chegou até Roma. Naquele primeiro momento, havia dois modelos de
cristãos: a) aqueles que foram judeus praticantes e continuaram observantes da
Lei; b) aqueles de origem grega que, influenciados por Paulo, não seguiam a Lei
judaica. Esta diferença foi motivo de descontentamento entre os cristãos de
Jerusalém, Pedro proclamou o princípio da graça em detrimento do império da Lei
(15, 7-12). Os crentes judaico-cristãos continuavam sendo judeus que aceitavam
Jesus como Messias. Porém, os crentes que não eram de tradição judaica
receberam o Evangelho sem esta base. Portanto, estes posicionamentos de fundo
cultural geraram diferenças nas igrejas.
No
primeiro século, constituíram-se várias igrejas, porém, cinco ganharam destaque
devido a sua importância política: Jerusalém, Antioquia, Alexandria, Bizâncio e
Roma. As comunidades tinham diferentes características. Além da relação com a
Lei, o modo de administração eclesial também era diferente, aquelas
judaico-cristãs eram dirigidas por um colégio de presbíteros. As gregas tinham
como autoridade o binômio bispo-diácono. As grandes diferenças foram se
unificando no decorrer do século II.[1]
Na
tradição do Novo Testamento, os judeus cristãos seguiam o Evangelho de Mateus.
Havia grupos utilizavam o Evangelho dos Nazarenos e dos Hebreus. Alguns desses
grupos compreendiam que Jesus era um anjo. A cristologia desses se adequava às
categorias do Antigo Testamento.O grande líder em torno da Igreja de Jerusalém
era Tiago, irmão do Senhor. Como o número de comunidades gregas foi sendo
maior, o modelo de cristianismo helenista foi prevalecendo.
A
situação política da Palestina contribuiu muito para a separação definitiva
entre judaísmo e cristianismo. Depois de muitos anos de conflitos de forças
rebeldes judaicas contra os romanos, finalmente, o imperador romano ordenou a
destruição de Jerusalém no ano 70.Alguns estudiosos consideram este evento
traumático para os judeus e com consequência para o cristianismo nascente
(Brandon, Jonathan Draper). Os grupos judaico-cristãos continuavam sua vida
vinculada ao Templo e à observância da Lei, com o evento do ano 70, eles
tiveram que se rearranjar. Muitos viram neste acontecimento uma punição aos
judeus por rejeitarem Jesus.[2]
Depois
de 70, os judeus cristãos tiveram de se espalhar pelo mundo romano. As igrejas
inicialmente eram locais e as atividades dos apóstolos eram itinerantes. As
primeiras igrejas eram domésticas. A estruturação administrativa, os dogmas, os
sacramentos e os ministérios foram se constituindo ao longo do tempo. O Novo
Testamento é testemunho de uma igreja que ainda não estava madura. No decorrer
dos Atos dos Apóstolos, vamos percebendo as soluções que os apóstolos dão para
os novos problemas. Eles instituem novos ministérios, fazem viagens
missionárias, organizam ajudas financeiras a outra igreja.
5.
A formação da Igreja nos Atos dos Apóstolos
Os
Atos dos Apóstolos apresentam algumas características da comunidade primitiva.
Lucas mostra um retrato ideal da comunidade de Jerusalém dizendo que os
cristãos seguiam os ensinamentos dos apóstolos, respeitavam a comunhão
fraterna, fazem a fração do pão e as orações (2, 42). A Igreja nasce
apostólica. Isto quer dizer que os ensinamentos que a formam são de autoridade
dos apóstolos. Quando há a controvérsia sobre a necessidade da circuncisão,
Paulo e Barnabé recorrem aos apóstolos (15, 1-4). A
primeira Igreja é a de Jerusalém. A autoridade das primeiras decisões coube a
Pedro (2, 14; 3,11). É ele que dirige os primeiros discursos aos judeus
defendendo a ressurreição de Jesus. Mas tarde, Paulo se destaca na
evangelização dos gentios. Foi em Antioquia que os seguidores de Jesus foram
chamados de “cristãos” pela primeira vez (11, 26).
Os
ministérios eram exercidos pelos apóstolos e algumas pessoas às quais eles
confiavam poder. Eles instituíram diáconos para os helenistas (6,1). Havia
entre eles profetas (11, 27) e também doutores (13, 1). O caminho da atividade
de Paulo nas cidades gregas inicialmente foram as sinagogas (18,4). Elas funcionavam
como ponto de penetração do anúncio nas cidades. Este é o procedimento de Paulo
na sinagoga de Antioquia da Pisídia (13, 14-16) em Icônio (14,1).
A
doutrina original da comunidade apostólica consiste na Lei judaica interpretada
a partir da proclamação de Jesus como Cristo e Senhor Ressuscitado. O batismo
desde o início foi o ritual de entrada para a comunidade cristã (8, 26-39).
Pedro desobriga os gentios de passarem pela circuncisão (15,7-12). Tiago
orienta para que os crentes helenistas se abstenham da carne dos sacrifícios e
das uniões ilegítimas (15, 19-21).
5.
Paulo nos Atos dos Apóstolos
Uma parte considerável dos Atos é
dedicada a contar as viagens missionárias de Paulo. Paulo era um cidadão romano
(22, 22-29), natural de Tarso, na Cilícia (21, 37-40). Porém, fora educado em
Jerusalém e fora aluno do rabino Gamaliel (22, 3). Sua família pertencia ao
partido dos fariseus (23, 6). Seu zelo de fariseu, o fez perseguir os apóstolos
até acontecer sua conversão no caminho de Damasco. Devido a sua instrução, os
apóstolos o incumbiram de evangelizar os povos de língua grega. Ele realizou
três viagens e fundou várias comunidades. Partindo de Antioquia, Paulo foi a
Chipre (13, 1-12), de Chipre foi a Antioquia da Pisídia (13, 13-52), deIcônio
voltou a Antioquia (14, 1-28). Na segunda viagem, ele vai em direção à Ásia
(15, 36-16, 8), depois parte em direção à Europa (16, 12-18. 18). De regresso a
Antioquia, empreendeu uma terceira viagem para a Macedônia (18, 23-20,3) e para
Filipos (20,6). Todas essas cidades servem de contexto histórico para as cartas
de Paulo. Na última parte, Paulo é levado a Roma preso (27).
A expansão do cristianismo deveu
muito às ações de Paulo e de seus companheiros. A sua intenção era chegar até a
Espanha (Rm 15, 24-25). Porém, antes disso, ele foi preso em Jerusalém. Por
causa de sua cidadania romana foi levada a Roma onde enfrentou uma espécie de
prisão domiciliar. Os Atos dos Apóstolos terminam informando que Paulo ficou
dois anos nesta condição em Roma. Uma tradição extraneotestamentária informa
que ele foi morto em 67.
6.
O cristianismo primitivo
O
Novo Testamento descreve o cristianismo de um período de 50 a 100 depois de
Cristo. Trata-se de uma religião embrionária. O cristianismo nascente era
chamado pelos seus seguidores de Caminho (24,14). Mas os judeus tradicionais
rejeitavam completamente a identificação de Jesus com o Messias por isso eles
chamavam o cristianismo de seita dos nazareus (24,5). Os vários conflitos que
ocorreram entre judeus e cristãos se deve a esta divergência de interpretação
da Lei. Como os cristãos, inicialmente, freqüentavam a sinagoga, esta relação
gerou um desgaste. Depois da dispersão do ano 70, o cristianismo foi
distanciando do judaísmo. Alguns historiadores, porém, estabelecem uma data de
ruptura definitiva somente por volta de 150.
Os
Atos dos Apóstolos se concentram nas atividades de Pedro e de Paulo. Depois do
capítulo 13, Pedro é relembrado novamente no Concílio de Jerusalém. Daí, a
partir do capítulo 16, a atenção volta-se plenamente para Paulo. Os Atos
pretendem contar os fatos dos primeiros 30 anos do Caminho. Onde estavam e que
estavam fazendo os demais apóstolos? Esta lacuna é preenchida pelos Atos
apócrifos. São alguns atos apostólicos: Atos de João, Atos de André, Atos de Paulo,
Atos de Pedro, Atos de Tecla e Atos de Tomé.
Através
destes textos sabemos que André e João atuaram na Ásia Menor, que Pedro foi
para Roma e Tomé para a Índia. Se estes fatos forem históricos, considerando
que Paulo tenha ido até a Espanha, ele e Tomé atingiram os maiores extremos da
expansão do cristianismo (leste a oeste).
Referências
REINHARTZ, Adele. The Destruction of the Jerusalem Temple as a Trauma
for Nascent Christianity, p. 275-288.
[2]
REINHARTZ, Adele. The Destruction of the Jerusalem Temple as a Trauma for
Nascent Christianity, p. 275-288.
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