INTRODUÇÃO
AO CRISTIANISMO:
EM
QUE CRIAM OS PRIMEIROS CRISTÃOS?[1]
José
Aristides da Silva Gamito[2]
Início do Curso de Teologia em São Barnabé (Conceição de Ipanema, MG) a 02/02/2019. |
1.
Introdução
O
movimento do cristianismo teve início logo depois da morte de Jesus. Os
apóstolos animados pelas últimas palavras de Jesus (Mt 28,19), partiram de
Jerusalém e seguiram as rotas do Império Romano para divulgar a nova fé. Mas,
bem lá no começo os cristãos formavam apenas uma seita dentro do judaísmo. A
diferença entre os judeus ortodoxos e os cristãos era a aceitação de Jesus como
o Messias. O culto cristão acontecia dentro das sinagogas. O judaísmo do século
I d. C. estava dividido em várias partidos/seitas como os fariseus, saduceus,
zelotas e essênios. Inicialmente, o cristianismo era apenas mais um grupo. A
ruptura entre cristianismo e judaísmo acontecerá de modo mais definitivo após a
destruição do Templo de Jerusalém no ano 70.
Quando
o cristianismo sai do ambiente da Palestina, inicia-se uma missão de conquistar
as cidades mais influentes do mundo romano. O cristianismo deixa de ser um
movimento camponês para ser um movimento religioso urbano. Ao longo deste
processo de conquistas de novos adeptos, a fé cristã entrou em contato com as
centenas de religiões que eram seguidas no Império Romano. Um dos maiores
desafios das primeiras lideranças cristãs foi manter uma crença original e fiel
à tradição dos apóstolos.
Nos
primeiros séculos, os cristãos se encontraram divididos entre gnósticos,
marcionitas, valentinianos e maniqueus. Isso somente para citar alguns nomes.
Alguns escritores dos séculos I e II que denunciaram as heresias enumeram
diversos grupos. Epifânio de Salamina, um escritor do século IV, cita 46 grupos
na sua obra Panarion. Na verdade,
existiam igrejas diversas e não uma única igreja. Porém, havia um esforço pela
unidade em torno do conceito de tradição apostólica. Como a diversidade
cultural era grande e as distâncias geográficas eram igualmente enormes, manter
uma fé uniforme mostrava-se bastante desafiador. Apareceram, então, as
heresias. São elas crenças cristãs que se diferiam da tradição apostólica.
2.
A
tradição dos apóstolos
Quando as igrejas apostólicas se viram
desafiadas pela grande variedade de ensinamentos que divergiam da tradição
apostólica, começaram a formular os credos. Os credos, símbolos ou profissões
de fé são provas da crença dos cristãos antigos. Eles já são, no entanto, resultado
de uma evolução da fé daqueles primeiros cristãos da época dos apóstolos. A
fórmula básica de profissão de fé do começo da pregação apostólica era: “Jesus
é o Senhor” (Fl 2,11). Afirmar que Jesus
é o Senhor significava alterar profundamente o credo judaico fundamentado em
Deuteronômio 6,4 (“Escuta, Israel, o Senhor nosso Deus, o Senhor é um só”).
A afirmação de que Jesus é o Senhor é o
divisor de credo entre cristãos e judeus. Isso significa postular que Jesus é
igual a Deus. A crença na unicidade de Deus (monoteísmo absoluto) não permitia
ao judeu crer na fé trinitária que desenvolveu mais tarde no cristianismo. Os
credos se desenvolveram todos como um desdobramento da fé na trindade.
A Carta dos Apóstolos, um texto escrito
por volta de 160-170, apresenta o conteúdo da fé cristã nestes termos:
no
Pai dominador do Universo,
e
em Jesus Cristo, [nosso Salvador],
e
no Santo Espírito [Paráclito],
e
na Santa Igreja,
e
na remissão dos pecados.[3]
In Patrem dominatorem universi,
Et in Iesum Christum [salvatorem
nostrum],
Et in Sanctum Spiritum [Paraclitum],
Et in sanctam Ecclesiam,
Et in remissionem peccatorum.
Este antigo credo se divide em cinco
artigos: 1º - a fé em Deus que domina o Universo; 2º - em Jesus Cristo como
Salvador; 3º - na Igreja; 4º - no perdão dos pecados.
A mais famosa profissão
de fé é o Símbolo dos Apóstolos. Seu conteúdo é aceito pela maioria das igrejas
cristãs. Segundo uma lenda, o texto teria sido composto pelos doze apóstolos.
De acordo com Ian Mcfarland, a versão atual difundida do Credo Apostólico teve
origem no sudoeste da França nos fins do século VI ou início do século VII. Ele
é uma versão modificada do Credo Romano Antigo que data do começo do século III
e serviu de base para os demais credos.
O
uso do Credo Apostólico foi difundido durante o período de Carlos Magno para
uniformizar a liturgia.
3.
A
Trindade
O
primeiro artigo dos credos é a profissão de fé em Deus Pai. O núcleo da fé
cristã é a crença de que Deus é uno e trino. O tratamento de Deus enquanto Pai,
Filho e Espírito Santo aparece no Novo Testamento. Isto corresponde ao período
de 50 até 100 depois de Cristo. Os primeiros já expressavam através destas
palavras, mas a explicação e o desenvolvimento de termos próprios para tratar
desta doutrina surgiram somente mais tarde.
A
ocorrência mais antiga deste termo Trindade (em grego, Trías) aparece na obra “Autólico” de Teófilo de Antioquia por volta
de 170 d. C. [4]
O escritor Tertuliano utiliza a palavra Trindade dizendo que: “Como se
estivesse desta forma também não foi tudo, em que todos, pela unidade (isto é)
de substância; enquanto o mistério da dispensação ainda está guardado, que
distribui a Unidade em uma Trindade, colocando em sua ordem, as três Pessoas -
o Pai, o Filho e o Espírito Santo”.[5]
No
Novo Testamento, há muitas menções dos três nomes divinos: Pai, Filho e
Espírito Santo. Jesus é compreendido como o filho de Deus no episódio do
batismo (Mt 3, 16-17). O evangelista
João retrata as palavras de Jesus ao falar da promessa do envio do Espírito
Santo como pessoas distintas: “Mas, quando vier o Consolador, que eu da parte
do Pai vos hei de enviar, aquele Espírito de verdade, que procede do Pai, ele
testificará de mim.” (Jo 15, 26). Neste texto, o Pai, o Filho e o Espírito
Consolador têm atividades diferentes.
Portanto,
os textos do Novo Testamento expressam a identidade divina através dos nomes do
Pai, do Filho e do Espírito. Porém, a doutrina da Trindade foi desenvolvida
somente a partir do século II. Mas até
início do século IV as formulações dos credos eram apenas locais.[6] A
síntese da fé cristã se desenvolveu a partir das práticas litúrgicas. Os
rituais de batismo continham um questionamento do candidato sobre a fé que
estava processando. Geralmente, iniciavam com três perguntas ao candidato ao
batismo: “Crês em Deus Pai? Crês em Jesus Cristo? Crês no Espírito Santo?” A
preparação catequética dos cristãos antigos consistia no conhecimento de um
formulário semelhante aos credos. Mas as fórmulas apareciam também na
eucaristia e no rito de exorcismo.
A
partir dos concílios, houve um esforço para superar as divergências doutrinárias
entre as igrejas antigas. O concílio de Niceia formulou um credo com o
propósito de ser válido para toda a Igreja.[7] A
definição sobre a doutrina fundamental do cristianismo aconteceu de modo coletivo
a partir do concílio de Niceia (325 d. C.) e de Constantinopla (381 d. C). As
declarações destes concílios foram sintetizadas no chamado Credo
niceno-constantinopolitano.
A
compreensão da identidade e da natureza do Pai e do Espírito Santo não foi objeto
de tanta discussão, mas a pessoa de Jesus Cristo foi alvo de muita disputa. A negação da divindade do Espírito Santo. Um
grupo chamado de pneumatômacos negava esta condição. Surgiram várias
explicações e doutrinas para explicar como Jesus era homem e deus ao mesmo
tempo. Estas são as chamadas controvérsias cristológicas. Os credos de Niceia e
de Constantinopla foram elaborados para porem fim aos debates que dividiam os
cristãos.
Compreender
como Jesus era homem e deus era desafio para muitos cristãos. Segundo
Apolinário de Laodiceia (310-390), Jesus teria um corpo humano, mas sua mente
seria divina. Ário (256-336) negava que Jesus fosse divino, considerava-o
somente uma criatura humana. O primeiro Concílio de Constantinopla condenou
estas doutrinas afirmando que Jesus era completamente deus e completamente
homem. Este concílio, em seu credo,
define Jesus como “consubstancial ao Pai”. Esta expressão significa que Jesus e
Deus possuem a mesma substância ou essência.
A
relação entre o Pai, o Filho e o Espírito é o compartilhamento da mesma
substância. Deus pai é o criador de todas as coisas. O Filho foi gerado pelo
Pai. Já o Espírito Santo procede do Pai. Essas conclusões levaram muitos anos
de debate para serem formuladas.
4.
A
Igreja
Outra
crença proclamada pelo Credo é na Igreja. A profissão nos termos: “Creio... na Santa
Igreja Católica” reafirmava a comunhão de todos os cristãos em torno de uma
mesma fé. Porém, quando se falava na “Igreja Católica” não estava se referindo
de modo restritivo à Igreja Católica Romana. Nos primeiros séculos do
cristianismo, havia não havia distinção.
Na
versão de Hipólito de Roma, há a inclusão da palavra “apostólica” juntamente
com a palavra “católica”. Esta necessidade é para reafirmar que a fé verdadeira
reivindicada pelos cristãos tinha como fundamento as tradições ensinadas pelos
apóstolos. Os credos tinham esta função também de combater grupos que tinham
uma fé heterodoxa. Outro adjetivo que também aparece é “una”.
É
comum em todo estudo sobre a Igreja apresentar as quatro qualidades distintivas
dela: Unidade, santidade, catolicidade e apostolicidade. Estes adjetivos foram
incorporados no Símbolo de Constantinopla em 381 e são reflexões originais de
São Cirilo de Jerusalém. A liturgia conservou costume de professar a fé durante
as missas, no texto a assembleia repete que acredita na Igreja Uma, Santa,
Católica e Apostólica.
Igreja Uma: A Igreja se define pela
unidade dos fiéis em torno de Cristo professando uma só fé, um só batismo, um
só Deus, uma só esperança em um só corpo e um só espírito (Ef 4, 4-5). A
unidade é a qualidade fundamental da Igreja porque o grande desejo de Jesus foi
a comunhão de todos os seus seguidores: “Pai santo, guarda-os em teu nome que
me deste, para que sejam um como nós” (Jo 17, 11). A unidade da Trindade é o
modelo de comunhão desejado para a Igreja. Quando se fala desta
unidade/comunhão não se deve confundir com uniformidade. A Igreja sempre
conteve em si a diversidade. Ela é comunhão de Igrejas. Cipriano de Cartago na
obra De Unitate Ecclesiae (A Unidade
da Igreja) usa a imagem da luz para descrever a unidade da Igreja, muitos são
os raios, mas uma só é a luz.
Igreja Santa: A Igreja é constituída de
pecadores. A santidade é porque todos participam da graça de Jesus, são
chamados à santidade e conservam em si o auxílio necessário para ser santo. É
um conceito teológico. Isso não significa que não haja pecados individuais e
reais na Igreja.
Igreja Católica: A Igreja nasceu aberta
a todos os povos. Diferentemente do judaísmo que era uma religião nacional, o
cristianismo surge como uma proposta universal. A palavra católico quer dizer
“universal, para todos”.
Igreja Apostólica: A apostolicidade revela
a natureza da Igreja. Ela nasce sob a autoridade do testemunho dos apóstolos
que aprenderam diretamente de Jesus o Evangelho e são autoridades morais e
históricas para fundar, expandir e conduzir a Igreja. Não é possível fala de
Igreja autêntica sem levar em conta sua origem apostólica.
6.
A
Salvação
A
respeito da salvação e do destino do homem, os credos geralmente terminando com
afirmações sobre o julgamento final. Será um julgamento no final dos tempos dos
vivos e dos mortos. Proclama-se a fé também na ressurreição dos mortos e a vida
eterna, nos termos do credo niceno-constantinopolitano: “Esperamos a
ressurreição dos mortos; e a vida do mundo vindouro.”
Referências:
KELLY, J. N. D. Early Christian Creeds. London; New
York: Continuum, 2008.
ANTIOCH, Theophilus of. Ad Autolycum. In: SCHAFF, Philip. Fathers of Second Century.
TERTULLIANUS. Adversus Praxeam. In: SCHAFF, Philip.
Latin Christianity: Its Founder, Tertulian.
[1]
Texto a ser apresentado no
estudo teológico na comunidade São Barnabé (Conceição de Ipanema/MG) no dia
02/02/2019.
[2]
E-mail:
joaristides@gmail.com.
[3]
DENZINGER, p. 53.
[4] A palavra Trindade é utilizada
pela primeira vez por volta de 170 ou 180 depois de Cristo: “Os três dias que
precederam aos corpos luminosos são a imagem da Trindade, quer dizer, de Deus,
de seu Verbo e de sua Sabedoria.” (ANTIOCH, Theophilus of. Ad Autolycum. In: SCHAFF, Philip.
Fathers of Second Century. P. 157).
[5]
TERTULLIANUS. Adversus Praxeam. In: SCHAFF, Philip. Latin Christianity: Its
Founder, Tertulian. P. 1044.
[7]
KELLY, 2008, p. 205.
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