Social Icons

quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Exercício exegético - Exemplo


EXERCÍCIO DE EXEGESE (EXEMPLO)

1. PERÍCOPE DE LUCAS 4, 16-22:

E, chegando a Nazaré, onde FORA CRIADO, ENTROU num dia de sábado, segundo o seu costume, na sinagoga, e LEVANTOU-SE para ler.
E FOI-LHE dado o livro do profeta Isaías; e, quando ABRIU o livro, ACHOU o lugar em que ESTAVA ESCRITO:
O Espírito do Senhor É sobre mim, Pois que ME UNGIU para evangelizar os pobres. ENVIOU-ME A CURAR os quebrantados de coração,
A PREGAR liberdade aos cativos, E restauração da vista aos cegos, A PÔR em liberdade os oprimidos, A ANUNCIAR o ano aceitável do Senhor.
E, CERRANDO o livro, e TORNANDO-O a dar ao ministro, ASSENTOU-SE; e os olhos de todos na sinagoga ESTAVAM fitos nele.
Então COMEÇOU a dizer-lhes: Hoje se CUMPRIU esta Escritura em vossos ouvidos. Todos TESTEMUNHAVAM a seu respeito, e ADMIRAVAM-SE das palavras cheias de graça que saíam de sua boca.

Aplicação do método (histórico-crítico e estruturalista):

I – SINTÁTICA:

a) Inventário das palavras: Nazaré, sábado, entrou, abriu o livro, estava escrito. Evangelizar, pobres, curar, liberdade, cerrando, cumpriu. Os verbos podem ser resumidos na sequência “entrou, leu, estava escrito, assentou-se, cumpriu, admiravam-se”.
b) Contexto: Depois da tentação do deserto, Jesus volta para a Galileia e começa a ensinar nas sinagogas, ele tinha mais ou menos 30 anos (antecedente – o que vem antes). / Os conterrâneos de Jesus questiona sua autoridade e o expulsam de Nazaré. Ele vai para Cafarnaum (consequente – o que vem depois).
c) Espaço-tempo: No texto – A cidade onde ocorre o fato é Nazaré e era um dia de sábado;
d) Gênero / estilo: Trata-se de um trecho do evangelho no qual acontece uma narrativa sobre a leitura de Jesus na sinagoga de Nazaré. O evangelista cita o texto de Isaías 61, 1-2 para confirmar a autoridade de Jesus.

II – SEMÂNTICA

a) Ação: Quem age é Jesus, o lugar é uma sinagoga de Nazaré, o tempo é um dia do sábado. É importante saber o que é uma SINAGOGA e a importância do SÁBADO para os judeus.
b) Agentes: Agentes são - Jesus que faz a leitura, alguém que lhe entregou o livro (servente); os frequentadores da sinagoga (são pacientes). Estes últimos apenas ouvem e ficam admirados (Lc 4, 22).
c) Tema: A pregação de Jesus a partir de um texto do profeta Isaías introduz o programa de sua missão: i. evangelizar os pobres; ii. Remir os presos; iii. Curar os cegos; iii. Libertar os cativos; iv. Proclamar um ano de graça. O evangelista está provando para os seus leitores imediatos que Jesus é o cumprimento da profecia de Isaías.
d) Mundo-da-vida (Sitz im leben): O texto nos fornece essas informações: i.  Em Nazaré, havia uma sinagoga; ii. Os galileus se reuniam na sinagoga em dias se sábado, iii. Jesus tinha o costume de ler na sinagoga (Lc 4, 16), iv. Havia um servente que entregava e recolhia o livro da leitura; v. Depois da leitura, havia uma atualização do texto; vi. Jesus aplicou o Isaías 61, 1-2 a si mesmo; vii. A primeira da reação dos ouvintes foi de admiração. A partir do versículo 28, veremos que os galileus se enfureceram com sua leitura e o expulsaram da cidade.

III – PRAGMÁTICA

a) Atualização: O programa de Jesus é, por herança, o programa de missão do cristão de hoje – evangelizar, libertar os excluídos da sociedade e proclamar um tempo/ uma oportunidade de graça, de salvação para todos.

Introdução à Hermenêutica Bíblica


RESUMO – “INTRODUÇÃO À HERMENÊUTICA BÍBLICA”
Estudos Teológicos – 13/08/2019

1. A interpretação de textos antigos não é uma tarefa simples. A consideração de textos para fins dogmáticos dificulta ainda mais este processo. A hermenêutica é o campo de estudo das teorias da interpretação de textos.
2. Um texto como a Bíblia é difícil de interpretar por causa da distância temporal, espacial e cultural que separa o autor antigo do leitor de hoje.
3. A Bíblia é simultaneamente literatura e livro sagrado. O leitor precisa se situar entre as balizas dos dois extremos: a) Não despi-la totalmente de seu sentido místico; b) Não pode descuidar de seu caráter humano, transformando-a em livro mágico.
4. A interpretação pressupõe a literalidade do texto bíblico - é que o texto, apesar de ser sagrado, é inteiramente humano e dependente das condições culturais, literárias e históricas do tempo do autor.
5. A delimitação da intenção do texto – isso quer dizer que há uma ampla liberdade de compreensão do texto, mas nem toda interpretação tem sentido e pertinência.
6. Os limites da interpretação - Existem muitos textos que admitem mais de um sentido. Mas isso não significa que qualquer sentido seja válido como uma compreensão de um texto.
7. A história em torno do texto - A reconstituição exata do contexto e do mundo do autor antigo é difícil e quase impossível. Mas o leitor precisa procurar compreender o máximo de elementos possível para se preparar para uma interpretação satisfatória.
8. Como regra geral é o próprio texto bíblico que o texto bíblico. Mas, em casos não-satisfatórios, o leitor deve buscar informações em “outras fontes do mesmo tempo e do mesmo lugar”  (GINZBURG).
9. A intenção do autor - É difícil falar do que o autor quis dizer (de sua intenção), é melhor dizer sobre o que ele disse a partir das categorias dadas pelo próprio texto. O texto é a única coisa material que temos do passado.
10. A diferença entre hermenêutica e exegese - Exegese é “o trabalho de explicação e de interpretação de um ou mais textos bíblicos”. A hermenêutica estuda os princípios gerais da interpretação de textos.
11. A primeira característica do texto bíblico - A Bíblia é um conjunto de livros escrito uma época muito diferente da nossa, com uma cultura totalmente diferente.
12. A segunda característica do texto bíblico - A cultura dos povos da Bíblia é a cultura do Oriente (cultura semita). Os costumes, os valores e o modo de pensar é totalmente distinto da cultura ocidental.
13. A terceira característica do texto bíblico- Entre o leitor contemporâneo e o texto bíblico há também uma distância geográfica e política, isto é, a organização social, as instituições, a economia e a política eram diferentes.
14. Portanto, são tarefas da hermenêutica - 1ª – Esclarecer as situações do tempo bíblico afim de que os textos fiquem transparentes e compreensíveis; 2ª – Tentar ouvir a intenção do autor na sua origem (especificamente, no texto); 3ª - Verificar como a ética e a doutrina podem ser respaldadas pelos textos.
15. Os principais métodos exegéticos são: Fundamentalista (busca o sentido literal), histórico-crítico (investiga as condições históricas em torno do texto) e estruturalista (analisa o que passa no texto em si e como produz o sentido).
15. Além de um método adequado, o leitor deve conhecer traços de estilo literário como as figuras de linguagem, as expressões idiomáticas e os gêneros literários.
16. As principais regras da exegese são: A primeira regra a considerar que o texto bíblico interpreta o próprio texto bíblico. A segunda: Enquanto puder é necessário tomar as palavras em seu sentido usual e ordinário. A terceira diz que é preciso considerar o contexto das palavras. A quarta alerta que é preciso considerar o objetivo de cada livro.
17. A quinta considera que os textos se comunicam, ou seja, é importante tomar as passagens paralelas para ampliar e confirmar o sentido de uma palavra ou de um conceito.
18. A sexta prescreve que nenhum texto pode ter um sentido que não teria para o seu autor ou para a sua audiência imediata. A sétima diz que quando as situações da época dos leitores imediatos são comparáveis às nossas, os mesmos ensinamentos que se aplicavam a eles, são aplicáveis a nós também.
19. Os passos de uma leitura bíblica segundo o método histórico-crítico e o estruturalista (exercício mesclado):

I – SINTÁTICA ( Análise dos elementos/organização do texto):
1º - Leitura: Ler atentamente o texto escolhido.
2º - Inventário do vocabulário: Inventariar as palavras mais comuns – marcar ou anotar os termos e as expressões mais significativas do texto.
3º - Identificação do contexto: Estabelecer as inter-relações com a seção do livro, verificando os textos que antecedem e sucedem a perícope.
4º - Localização espaço-temporal: Verificar a época em que foi escrito o texto.
5º - Gênero e estilo: Como o texto se organiza quanto ao estilo? Qual é o seu gênero?

II – SEMÂNTICA (Análise do sentido do texto):
6º - Investigar no texto a ação: Quem age, onde, quando, fazendo o que, a quem?
7º - Identificação dos agentes: Como são caracterizados os agentes, pacientes, tempo, lugar e ação?
8º - Levantamento temático: Qual é o assunto do texto e como se relaciona com o contexto? Com as passagens paralelas?
9º - Mundo-da-vida: Como este assunto se situa na vida dos primeiros leitores? A sociedade? A cultura? A religião?


III – PRAGMÁTICA (Aplicação da temática do texto):
10º - Atualização do texto: O que este texto diz para o nosso tempo? De que modo podemos aplicá-lo a nós?

Nestes dez passos, pensamos na trilogia semiótica: Sintática – Como está organizado o texto? (passos do 1º ao 5º) Semântica – Qual é o sentido do texto? (passos do 6º ao 9º) Pragmática – O que ele tem a dizer para o nosso tempo? (passo 10º).

20. Texto a ser analisado empregando os métodos da exegese:

1 No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. 2 Ele estava no princípio com Deus.    3 Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e sem ele nada do que foi feito se fez.    4 Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens;    5 a luz resplandece nas trevas, e as trevas não prevaleceram contra ela.  
6 Houve um homem enviado de Deus, cujo nome era . 7 Este veio como testemunha, a fim de dar testemunho da luz, para que todos cressem por meio dele.    8 Ele não era a luz, mas veio para dar testemunho da luz.  
9 Pois a verdadeira luz, que alumia a todo homem, estava chegando ao mundo.    10 Estava ele no mundo, e o mundo foi feito por intermédio dele, e o mundo não o conheceu.    11 Veio para o que era seu, e os seus não o receberam.    12 Mas, a todos quantos o receberam, aos que crêem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus; 13 os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do varão, mas de Deus.  
14 E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade; e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai.


quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Aulas 07 e 08 - Estudo Teológico


DOUTRINA CATÓLICA DO CULTO AOS SANTOS

1. Introdução

A doutrina do culto aos santos tem alguns desdobramentos: a) destino escatológico (céu, inferno, purgatório) – há um estágio intermediário entre o céu e o inferno crido pela tradição eclesial; b) canonização – reconhecimento público de que uma pessoa alcançou o céu; c) culto de dulia e de hiperdulia – culto de veneração dedicado aos que alcançaram o céu (santos); d) oração de intercessão – os fiéis vivos podem pedir àqueles mortos que alcançaram o céu que orem por eles; e) oração de sufrágio – os fiéis vivos podem orar por aqueles que ainda não alcançaram o céu; f) uso o uso de imagens – a fabricação e o uso de imagens no culto.

2. O destino escatológico

A Igreja Católica acredita que o destino do homem pode ser três: 1º) O céu para aqueles que morrem em estado de graça; 2º) O inferno para aqueles que morrem no pecado; 3º) O purgatório para aqueles que não têm pecados gravíssimos, mas também não estão totalmente puros.
As descrições de céu e inferno que temos hoje são mais frutos do imaginário que se formou ao longo da história do que das informações do Novo Testamento.  Mt 25, 31-46 fala sobre um julgamento final que ocorrerá com a vinda do Filho do Homem. Ele faz a distinção entre pessoas boas e pessoas más. O destino dos bons será o tormento eterno (aiónios kólasis) e dos maus, a vida eterna (zoé aiónios).
O céu (ouranós)[1] é apresentado como um lugar superior (Jo 3,13), onde os bons serão premiados (Mt 5,12), é o lugar de Deus pai (Mt 5, 48), lá anjos estão vendo a face do Pai (Mt 18, 10). A palavra paraíso (parádeisos) aparece apenas três vezes no Novo Testamento: Lc 23, 43; 2ª Cor 12, 4 e Ap 2, 7. Não há descrição detalhada como seria o céu.
O inferno (hades)[2] é descrito como uma realidade inferior (Mt 11, 23), tem portas (Mt 16, 18), tem chaves (Ap 1, 18), lugar onde as pessoas estão em tormentos (Lc 16, 23),  será lançado no lago de fogo (limne pyr), estado de segunda morte (Ap 20, 14). O Novo Testamento entende o inferno como uma realidade subterrânea para punição dos maus. São utilizadas muitas metáforas para descrevê-lo. Hades equivale ao Sheol do Antigo Testamento. Porém, os autores do AT entendiam o Sheol como lugar da sombra dos mortos e não um lugar de castigo. O lugar dos justos e dos injustos é o mesmo.
A doutrina do Purgatório é a crença de que aqueles que morreram com pecados leves podem se purificar na vida futura. De Mt 12, 32 deduz-se que alguns pecados podem ser perdoados na vida futura. A fala de Jesus neste versículo permite entender que os pecados podem ser perdoados em vida ou depois da morte. O único pecado que não será perdoado em nenhum estágio da vida humana é o pecado contra o Espírito Santo.
A Igreja Católica se apóia também em 1ª Cor 3, 13. 15. Neste texto, Paulo fala que a qualidade da obra de cada um será provada pelo fogo e que a prova do fogo permitirá a salvação. A imagem deste fogo purificador foi utilizada pelos antigos autores cristãos para referir à condição do que mais tarde foi chamado de purgatório.
O “lugar de purificação” foi definido pela primeira vez pelo Concílio de Lião I, em 1245. O termo grego correspondente é katharterion. Alguns Padres da Igreja cogitaram uma purificação dos fiéis depois da morte, mas a doutrina foi somente definida pela Igreja no Concílio de Lião I, em 1245. Além disso, faltava um nome para designar este lugar. O mesmo concílio fixa o termo Purgatórium (“Nós, que segundo a tradição e autoridade dos santos Padres denominamos “purgatório”, queremos que, de agora em diante, seja por eles chamado com este nome”).
A doutrina deste concílio utiliza os seguintes argumentos: 1º - Há pecados que são perdoados depois da morte (Mt 12, 32); 2º - Há um fogo purificador para reparar estes pecados leves que permaneceram com o morto (1ª Cor 3, 13.15); 3º -  A Igreja pode ajudar estes penitentes mortos com suas orações de sufrágio e 4º - Este fogo transitório (transitório igne) permite ao morto entrar no céu totalmente purificado.[3]

3. A canonização dos santos

A canonização é o reconhecimento da Igreja que de uma pessoa alcançou céu. Nos primeiros séculos do cristianismo, o reconhecimento público era feito por aclamação. Mais tarde, instituiu-se um processo para apurar a vida de um santo e os milagres atribuídos à sua intercessão antes de inscrevê-lo na lista dos santos.
A canonização é um procedimento eclesial. Atualmente, as normas são regidas pela Constituição Apostólica Divinus Perfectionis Magister de João Paulo II, de 1983. O culto público dos santos é decretado pelo papa, depois da investigação sobre a vida de fé do candidato.[4]

4. O culto de dulia e hiperdulia

O embrião do culto aos santos é o testemunho dos mártires: Os cristãos primitivos começaram comemorando o aniversário da morte dos mártires e a partir disso se desenvolveu um culto chamado dulia. Por considerar que aqueles justos estão mais próximos de Deus, então, começaram a tomá-los como auxiliares em suas orações.
Em 156, a comunidade de Esmirna noticia através de uma carta que eles comemoraram o aniversário do martírio de Policarpo e conservava suas relíquias. 2º Reis 13, 21 relata um caso de ressurreição a partir do contato com os ossos do profeta Eliseu. A partir do século IV, os cristãos começaram a manter um calendário do aniversário de morte dos mártires. Os exemplos e heroísmos eram recordados na liturgia.
A Igreja Católica acredita que Jesus é o único mediador entre Deus e os homens (1ª Tm 2,5). Maria e os santos são auxiliares e intercessores, eles não podem mediar a salvação, apenas podem rezar a Jesus pelos fiéis vivos. A Tradição distingue dois tipos de cultos: a) latria – culto de adoração prestado somente a Deus; b) dulia – culto de honra e de veneração prestado aos santos. Para Maria, utiliza-se o termo hiperdulia e para José, protodulia. São apenas termos distintivos para expressar que eles merecem uma homenagem maior.

5. Oração de intercessão

A intercessão parte do pressuposto de que aqueles que alcançaram o céu e estão próximos de Deus podem orar pelos fiéis vivos. A crença é sustentada pela confiança de que o valor da oração pode ser reforçado por quem está mais perto de Deus.  A Igreja Católica distingue “intercessão” de “mediação”. A intercessão significa o santo pedir a Deus pelo fiel. É apenas um ato de oração. A mediação diz respeito à salvação e só Cristo pode fazê-lo. É um ato de redenção (1ª Tm 2,5).
Há descrições no Apocalipse que apontam para a possibilidade de intercessão. Em Apocalipse 5, 8, os vinte e quatro anciãos estão diante do cordeiro com taças com orações dos santos. Em 8, 4, a oração dos santos é intermediada (intercessão) pelas mãos do anjo para chegar até Deus. Segundo a interpretação católica, estes textos sugerem que os anjos intermedeiam as orações dos fiéis.

6. Oração de sufrágio

A oração de sufrágio se apoia na crença de que os vivos podem orar pelos mortos que ainda não alcançaram o céu, mas estão num estágio intermediário (purgatório). O texto de 2º Macabeus 12, 43-46 assegura que a esperança na ressurreição torna válida a oração pelos mortos. O apóstolo Paulo pede que o Senhor conceda misericórdia a Onesíforo (2ª Tm 1, 18). A tradição católica interpreta este texto de uma indicação de oração por um morto.
Os seguintes Padres da Igreja se pronunciaram a favor da oração pelos mortos: João Crisóstomo (349-407), Tertuliano de Cartago (202), Cipriano de Cartago (258), Cirilo de Jerusalém (386) e Ambrósio de Milão (340-397). Nos séculos III e IV, o costume de oração pelos mortos esteve vinculado à liturgia.
Em 998, Odilon de Cluny iniciou o costume da festa dos fiéis defuntos. A partir do papa Silvestre II a prática foi recomendada para toda a Igreja.

7. O uso de imagens no culto

O Antigo Testamento desconhece a categoria de “imagens de santos”. Na Bíblia, há textos proibitivos e textos prescritivos para fabricação de imagens. Qualquer imagem que representasse um deus pagão (ídolo) era proibida (Ex 20,4). Mas as imagens que serviam para ornamentar o Templo eram permitidas. Deus ordenou que os israelitas colocassem no Templo uma arca, um propiciatório ladeado de dois querubins (Ex 25, 18), que pusessem um candelabro, sete lâmpadas (Ex 25, 31.37) e também foi ordenado o uso de vestimentas sacerdotais (Ex 28, 2).
A veneração das imagens foi motivo de uma longa controvérsia do século VIII ao IX, a chamada controvérsia iconoclasta. O período durou de 726 a 843.[5] Depois de muitas disputas o II Concílio de Niceia definiu o uso de imagens da seguinte forma:

De fato, quanto mais são contemplados na imagem que os reproduz, tanto mais os que contemplam as são levados à recordação e ao desejo dos modelos originais e a tributar a elas, beijando-as, respeito e veneração; não, é claro, a verdadeira adoração própria de nossa fé, reservada só à natureza divina, mas como se faz para a representação da cruz preciosa e vivificante, para os santos evangelhos e os outros objetos sagrados, honrando-os com a oferta de incenso e de luzes segundo o piedoso uso dos antigos. Pois “a honra prestada à imagem passa para o modelo original”, e quem venera a imagem venera a pessoa de quem nela é reproduzido.[6]

                A definição acima especifica que o uso de imagens tem três objetivos: a) recordar a vida dos fiéis que nos antecederam; b) despertar o desejo de imitar seu exemplo e c) homenagear seu heroísmo de fé. Para que isto surta o efeito desejado, é necessário esclarecer que “a verdadeira adoração própria de nossa fé, reservada só à natureza divina” e que a homenagem que se presta às imagens dirige-se a quem é representado (significado) e não à representação (significante).
            Com a retomada da controvérsia pelos reformadores, o Concílio de Trento retomou a matéria e pontuou:

Além disso, deve-se conceder a devida honra e veneração às ima g e n s de Cristo, da Virgem Deípara e dos outros Santos, a serem tidas e conservadas principalmente nos templos, não por crer que lhes seja inerente alguma divindade ou poder que justifique tal culto, ou porque se deva pedir alguma coisa a essas imagens ou depositar confiança nelas como antigamente faziam os pagãos, que punham sua esperança nos ídolos [cf. Sl 135,15-17], mas porque a honra prestada a elas se refere aos protótipos que representam, de modo que, por meio das imagens que beijamos e diante das quais nos descobrimos e prostramos, adoramos a Cristo e veneramos os Santos cuja semelhança apresentam. Tudo isso foi sancionado pelos decretos dos Concílios, especialmente do segundo Sínodo de Nicéia, contra os iconoclastas.[7]

            Esse concílio disse que a veneração das imagens não significa professar que elas possuam “divindade” ou “poder” e não se deve depositar “confiança” nelas quando se faz um pedido. As imagens são somente representações. A atenção deve estar voltada para quem elas representam. Todos estes atos têm de apontar para Cristo, o centro da fé.

8. Considerações finais

O culto ao santo é uma doutrina eclesial que foi desenvolvendo e agregando novas práticas. O ponto de partida é a comemoração da memória dos mártires. A esperança de que aqueles que nos precederam estão nos céus e mais pertos de Deus gerou a confiança de pedir a intercessão deles. Portanto, da preservação e da comemoração dos mártires como modelos de fé cresce também a intercessão, depois a instituição de um culto de veneração.
As imagens são expressão da necessidade de relembrar o testemunho dos mártires e de estimular para que os outros continuassem a praticar o cristianismo apesar das perseguições. A memória dos mártires foi uma necessidade da Igreja antiga, sem esta esperança e encorajamento talvez o cristianismo não tivesse sobrevivido às perseguições.
O culto ao santo torna-se idolatria e heresia quando deixa de ser cristocêntrico. Exageros já existiram e existem na religiosidade de muitas pessoas. A regra geral da fé católica é manter Cristo como centralidade. Se a devoção aos santos tira essa centralidade, estamos, de fato, diante de uma heresia. A veneração aos santos só pode ser aceita se não disputa e nem toma o lugar de Jesus.

Referências:

DENZINGER, Heinrich; HÜNERMANN, Peter. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral da Igreja Católica. São Paulo: Loyola, 2006.

JOÃO PAULO II. Constituição Apostólica Divinus Perfectionis Magister. In: VATICANO.  Código de Direito Canônico. Braga: Editorial Apostolado da Oração, 1983.

WARE, Kallistos. Niceia: O VII Concílio Ecumênico. Disponível em:   . Acesso em 01 ago. 2019.




[1] Em grego, a palavra significa atmosfera e também uma região acima dos astros (STRONG 3772).
[2] O termo grego tinha o significado de: 1) Hades ou Plutão, deus das regiões inferiores; 2) Orco, o mundo de baixo, região dos mortos; uso tardio: sepultura, morte, inferno (STRONG G86).
[3] DENZINGER, Heinrich; HÜNERMANN, Peter.Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral da Igreja Católica. São Paulo: Loyola, 2006, p. 296-297.
[4] JOÃO PAULO II. Constituição Apostólica Divinus Perfectionis Magister. In: VATICANO.  Código de Direito Canônico. Braga: Editorial Apostolado da Oração, 1983.
[5] WARE, Kallistos. Niceia: O VII Concílio Ecumênico. Disponível em:   . Acesso em 01 ago. 2019.
[6] DENZINGER; HÜNERMANN, 2006, p. 218.
[7] DENZINGER; HÜNERMANN, 2006, p. 460.