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quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Aulas 07 e 08 - Estudo Teológico


DOUTRINA CATÓLICA DO CULTO AOS SANTOS

1. Introdução

A doutrina do culto aos santos tem alguns desdobramentos: a) destino escatológico (céu, inferno, purgatório) – há um estágio intermediário entre o céu e o inferno crido pela tradição eclesial; b) canonização – reconhecimento público de que uma pessoa alcançou o céu; c) culto de dulia e de hiperdulia – culto de veneração dedicado aos que alcançaram o céu (santos); d) oração de intercessão – os fiéis vivos podem pedir àqueles mortos que alcançaram o céu que orem por eles; e) oração de sufrágio – os fiéis vivos podem orar por aqueles que ainda não alcançaram o céu; f) uso o uso de imagens – a fabricação e o uso de imagens no culto.

2. O destino escatológico

A Igreja Católica acredita que o destino do homem pode ser três: 1º) O céu para aqueles que morrem em estado de graça; 2º) O inferno para aqueles que morrem no pecado; 3º) O purgatório para aqueles que não têm pecados gravíssimos, mas também não estão totalmente puros.
As descrições de céu e inferno que temos hoje são mais frutos do imaginário que se formou ao longo da história do que das informações do Novo Testamento.  Mt 25, 31-46 fala sobre um julgamento final que ocorrerá com a vinda do Filho do Homem. Ele faz a distinção entre pessoas boas e pessoas más. O destino dos bons será o tormento eterno (aiónios kólasis) e dos maus, a vida eterna (zoé aiónios).
O céu (ouranós)[1] é apresentado como um lugar superior (Jo 3,13), onde os bons serão premiados (Mt 5,12), é o lugar de Deus pai (Mt 5, 48), lá anjos estão vendo a face do Pai (Mt 18, 10). A palavra paraíso (parádeisos) aparece apenas três vezes no Novo Testamento: Lc 23, 43; 2ª Cor 12, 4 e Ap 2, 7. Não há descrição detalhada como seria o céu.
O inferno (hades)[2] é descrito como uma realidade inferior (Mt 11, 23), tem portas (Mt 16, 18), tem chaves (Ap 1, 18), lugar onde as pessoas estão em tormentos (Lc 16, 23),  será lançado no lago de fogo (limne pyr), estado de segunda morte (Ap 20, 14). O Novo Testamento entende o inferno como uma realidade subterrânea para punição dos maus. São utilizadas muitas metáforas para descrevê-lo. Hades equivale ao Sheol do Antigo Testamento. Porém, os autores do AT entendiam o Sheol como lugar da sombra dos mortos e não um lugar de castigo. O lugar dos justos e dos injustos é o mesmo.
A doutrina do Purgatório é a crença de que aqueles que morreram com pecados leves podem se purificar na vida futura. De Mt 12, 32 deduz-se que alguns pecados podem ser perdoados na vida futura. A fala de Jesus neste versículo permite entender que os pecados podem ser perdoados em vida ou depois da morte. O único pecado que não será perdoado em nenhum estágio da vida humana é o pecado contra o Espírito Santo.
A Igreja Católica se apóia também em 1ª Cor 3, 13. 15. Neste texto, Paulo fala que a qualidade da obra de cada um será provada pelo fogo e que a prova do fogo permitirá a salvação. A imagem deste fogo purificador foi utilizada pelos antigos autores cristãos para referir à condição do que mais tarde foi chamado de purgatório.
O “lugar de purificação” foi definido pela primeira vez pelo Concílio de Lião I, em 1245. O termo grego correspondente é katharterion. Alguns Padres da Igreja cogitaram uma purificação dos fiéis depois da morte, mas a doutrina foi somente definida pela Igreja no Concílio de Lião I, em 1245. Além disso, faltava um nome para designar este lugar. O mesmo concílio fixa o termo Purgatórium (“Nós, que segundo a tradição e autoridade dos santos Padres denominamos “purgatório”, queremos que, de agora em diante, seja por eles chamado com este nome”).
A doutrina deste concílio utiliza os seguintes argumentos: 1º - Há pecados que são perdoados depois da morte (Mt 12, 32); 2º - Há um fogo purificador para reparar estes pecados leves que permaneceram com o morto (1ª Cor 3, 13.15); 3º -  A Igreja pode ajudar estes penitentes mortos com suas orações de sufrágio e 4º - Este fogo transitório (transitório igne) permite ao morto entrar no céu totalmente purificado.[3]

3. A canonização dos santos

A canonização é o reconhecimento da Igreja que de uma pessoa alcançou céu. Nos primeiros séculos do cristianismo, o reconhecimento público era feito por aclamação. Mais tarde, instituiu-se um processo para apurar a vida de um santo e os milagres atribuídos à sua intercessão antes de inscrevê-lo na lista dos santos.
A canonização é um procedimento eclesial. Atualmente, as normas são regidas pela Constituição Apostólica Divinus Perfectionis Magister de João Paulo II, de 1983. O culto público dos santos é decretado pelo papa, depois da investigação sobre a vida de fé do candidato.[4]

4. O culto de dulia e hiperdulia

O embrião do culto aos santos é o testemunho dos mártires: Os cristãos primitivos começaram comemorando o aniversário da morte dos mártires e a partir disso se desenvolveu um culto chamado dulia. Por considerar que aqueles justos estão mais próximos de Deus, então, começaram a tomá-los como auxiliares em suas orações.
Em 156, a comunidade de Esmirna noticia através de uma carta que eles comemoraram o aniversário do martírio de Policarpo e conservava suas relíquias. 2º Reis 13, 21 relata um caso de ressurreição a partir do contato com os ossos do profeta Eliseu. A partir do século IV, os cristãos começaram a manter um calendário do aniversário de morte dos mártires. Os exemplos e heroísmos eram recordados na liturgia.
A Igreja Católica acredita que Jesus é o único mediador entre Deus e os homens (1ª Tm 2,5). Maria e os santos são auxiliares e intercessores, eles não podem mediar a salvação, apenas podem rezar a Jesus pelos fiéis vivos. A Tradição distingue dois tipos de cultos: a) latria – culto de adoração prestado somente a Deus; b) dulia – culto de honra e de veneração prestado aos santos. Para Maria, utiliza-se o termo hiperdulia e para José, protodulia. São apenas termos distintivos para expressar que eles merecem uma homenagem maior.

5. Oração de intercessão

A intercessão parte do pressuposto de que aqueles que alcançaram o céu e estão próximos de Deus podem orar pelos fiéis vivos. A crença é sustentada pela confiança de que o valor da oração pode ser reforçado por quem está mais perto de Deus.  A Igreja Católica distingue “intercessão” de “mediação”. A intercessão significa o santo pedir a Deus pelo fiel. É apenas um ato de oração. A mediação diz respeito à salvação e só Cristo pode fazê-lo. É um ato de redenção (1ª Tm 2,5).
Há descrições no Apocalipse que apontam para a possibilidade de intercessão. Em Apocalipse 5, 8, os vinte e quatro anciãos estão diante do cordeiro com taças com orações dos santos. Em 8, 4, a oração dos santos é intermediada (intercessão) pelas mãos do anjo para chegar até Deus. Segundo a interpretação católica, estes textos sugerem que os anjos intermedeiam as orações dos fiéis.

6. Oração de sufrágio

A oração de sufrágio se apoia na crença de que os vivos podem orar pelos mortos que ainda não alcançaram o céu, mas estão num estágio intermediário (purgatório). O texto de 2º Macabeus 12, 43-46 assegura que a esperança na ressurreição torna válida a oração pelos mortos. O apóstolo Paulo pede que o Senhor conceda misericórdia a Onesíforo (2ª Tm 1, 18). A tradição católica interpreta este texto de uma indicação de oração por um morto.
Os seguintes Padres da Igreja se pronunciaram a favor da oração pelos mortos: João Crisóstomo (349-407), Tertuliano de Cartago (202), Cipriano de Cartago (258), Cirilo de Jerusalém (386) e Ambrósio de Milão (340-397). Nos séculos III e IV, o costume de oração pelos mortos esteve vinculado à liturgia.
Em 998, Odilon de Cluny iniciou o costume da festa dos fiéis defuntos. A partir do papa Silvestre II a prática foi recomendada para toda a Igreja.

7. O uso de imagens no culto

O Antigo Testamento desconhece a categoria de “imagens de santos”. Na Bíblia, há textos proibitivos e textos prescritivos para fabricação de imagens. Qualquer imagem que representasse um deus pagão (ídolo) era proibida (Ex 20,4). Mas as imagens que serviam para ornamentar o Templo eram permitidas. Deus ordenou que os israelitas colocassem no Templo uma arca, um propiciatório ladeado de dois querubins (Ex 25, 18), que pusessem um candelabro, sete lâmpadas (Ex 25, 31.37) e também foi ordenado o uso de vestimentas sacerdotais (Ex 28, 2).
A veneração das imagens foi motivo de uma longa controvérsia do século VIII ao IX, a chamada controvérsia iconoclasta. O período durou de 726 a 843.[5] Depois de muitas disputas o II Concílio de Niceia definiu o uso de imagens da seguinte forma:

De fato, quanto mais são contemplados na imagem que os reproduz, tanto mais os que contemplam as são levados à recordação e ao desejo dos modelos originais e a tributar a elas, beijando-as, respeito e veneração; não, é claro, a verdadeira adoração própria de nossa fé, reservada só à natureza divina, mas como se faz para a representação da cruz preciosa e vivificante, para os santos evangelhos e os outros objetos sagrados, honrando-os com a oferta de incenso e de luzes segundo o piedoso uso dos antigos. Pois “a honra prestada à imagem passa para o modelo original”, e quem venera a imagem venera a pessoa de quem nela é reproduzido.[6]

                A definição acima especifica que o uso de imagens tem três objetivos: a) recordar a vida dos fiéis que nos antecederam; b) despertar o desejo de imitar seu exemplo e c) homenagear seu heroísmo de fé. Para que isto surta o efeito desejado, é necessário esclarecer que “a verdadeira adoração própria de nossa fé, reservada só à natureza divina” e que a homenagem que se presta às imagens dirige-se a quem é representado (significado) e não à representação (significante).
            Com a retomada da controvérsia pelos reformadores, o Concílio de Trento retomou a matéria e pontuou:

Além disso, deve-se conceder a devida honra e veneração às ima g e n s de Cristo, da Virgem Deípara e dos outros Santos, a serem tidas e conservadas principalmente nos templos, não por crer que lhes seja inerente alguma divindade ou poder que justifique tal culto, ou porque se deva pedir alguma coisa a essas imagens ou depositar confiança nelas como antigamente faziam os pagãos, que punham sua esperança nos ídolos [cf. Sl 135,15-17], mas porque a honra prestada a elas se refere aos protótipos que representam, de modo que, por meio das imagens que beijamos e diante das quais nos descobrimos e prostramos, adoramos a Cristo e veneramos os Santos cuja semelhança apresentam. Tudo isso foi sancionado pelos decretos dos Concílios, especialmente do segundo Sínodo de Nicéia, contra os iconoclastas.[7]

            Esse concílio disse que a veneração das imagens não significa professar que elas possuam “divindade” ou “poder” e não se deve depositar “confiança” nelas quando se faz um pedido. As imagens são somente representações. A atenção deve estar voltada para quem elas representam. Todos estes atos têm de apontar para Cristo, o centro da fé.

8. Considerações finais

O culto ao santo é uma doutrina eclesial que foi desenvolvendo e agregando novas práticas. O ponto de partida é a comemoração da memória dos mártires. A esperança de que aqueles que nos precederam estão nos céus e mais pertos de Deus gerou a confiança de pedir a intercessão deles. Portanto, da preservação e da comemoração dos mártires como modelos de fé cresce também a intercessão, depois a instituição de um culto de veneração.
As imagens são expressão da necessidade de relembrar o testemunho dos mártires e de estimular para que os outros continuassem a praticar o cristianismo apesar das perseguições. A memória dos mártires foi uma necessidade da Igreja antiga, sem esta esperança e encorajamento talvez o cristianismo não tivesse sobrevivido às perseguições.
O culto ao santo torna-se idolatria e heresia quando deixa de ser cristocêntrico. Exageros já existiram e existem na religiosidade de muitas pessoas. A regra geral da fé católica é manter Cristo como centralidade. Se a devoção aos santos tira essa centralidade, estamos, de fato, diante de uma heresia. A veneração aos santos só pode ser aceita se não disputa e nem toma o lugar de Jesus.

Referências:

DENZINGER, Heinrich; HÜNERMANN, Peter. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral da Igreja Católica. São Paulo: Loyola, 2006.

JOÃO PAULO II. Constituição Apostólica Divinus Perfectionis Magister. In: VATICANO.  Código de Direito Canônico. Braga: Editorial Apostolado da Oração, 1983.

WARE, Kallistos. Niceia: O VII Concílio Ecumênico. Disponível em:   . Acesso em 01 ago. 2019.




[1] Em grego, a palavra significa atmosfera e também uma região acima dos astros (STRONG 3772).
[2] O termo grego tinha o significado de: 1) Hades ou Plutão, deus das regiões inferiores; 2) Orco, o mundo de baixo, região dos mortos; uso tardio: sepultura, morte, inferno (STRONG G86).
[3] DENZINGER, Heinrich; HÜNERMANN, Peter.Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral da Igreja Católica. São Paulo: Loyola, 2006, p. 296-297.
[4] JOÃO PAULO II. Constituição Apostólica Divinus Perfectionis Magister. In: VATICANO.  Código de Direito Canônico. Braga: Editorial Apostolado da Oração, 1983.
[5] WARE, Kallistos. Niceia: O VII Concílio Ecumênico. Disponível em:   . Acesso em 01 ago. 2019.
[6] DENZINGER; HÜNERMANN, 2006, p. 218.
[7] DENZINGER; HÜNERMANN, 2006, p. 460.

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