DOUTRINA
CATÓLICA DO CULTO AOS SANTOS
1. Introdução
A doutrina do culto aos
santos tem alguns desdobramentos: a) destino
escatológico (céu, inferno, purgatório) – há um estágio intermediário entre
o céu e o inferno crido pela tradição eclesial; b) canonização – reconhecimento público de que uma pessoa alcançou o
céu; c) culto de dulia e de hiperdulia –
culto de veneração dedicado aos que alcançaram o céu (santos); d) oração de intercessão – os fiéis vivos
podem pedir àqueles mortos que alcançaram o céu que orem por eles; e) oração de sufrágio – os fiéis vivos
podem orar por aqueles que ainda não alcançaram o céu; f) uso o uso de imagens – a fabricação e o uso de imagens no culto.
2.
O destino escatológico
A Igreja Católica
acredita que o destino do homem pode ser três: 1º) O céu para aqueles que
morrem em estado de graça; 2º) O inferno para aqueles que morrem no pecado; 3º)
O purgatório para aqueles que não têm pecados gravíssimos, mas também não estão
totalmente puros.
As descrições de céu e
inferno que temos hoje são mais frutos do imaginário que se formou ao longo da
história do que das informações do Novo Testamento. Mt 25, 31-46 fala sobre um julgamento final
que ocorrerá com a vinda do Filho do Homem. Ele faz a distinção entre pessoas
boas e pessoas más. O destino dos bons será o tormento eterno (aiónios kólasis) e dos maus, a vida
eterna (zoé aiónios).
O céu (ouranós)[1] é
apresentado como um lugar superior (Jo 3,13), onde os bons serão premiados (Mt
5,12), é o lugar de Deus pai (Mt 5, 48), lá anjos estão vendo a face do Pai (Mt
18, 10). A palavra paraíso (parádeisos)
aparece apenas três vezes no Novo Testamento: Lc 23, 43; 2ª Cor 12, 4 e Ap 2,
7. Não há descrição detalhada como seria o céu.
O inferno (hades)[2] é
descrito como uma realidade inferior (Mt 11, 23), tem portas (Mt 16, 18), tem
chaves (Ap 1, 18), lugar onde as pessoas estão em tormentos (Lc 16, 23), será lançado no lago de fogo (limne pyr), estado de segunda morte (Ap
20, 14). O Novo Testamento entende o inferno como uma realidade subterrânea
para punição dos maus. São utilizadas muitas metáforas para descrevê-lo. Hades equivale ao Sheol do Antigo Testamento. Porém, os autores do AT entendiam o Sheol como lugar da sombra dos mortos e
não um lugar de castigo. O lugar dos justos e dos injustos é o mesmo.
A doutrina do Purgatório é a crença de que aqueles que morreram com
pecados leves podem se purificar na vida futura. De Mt 12, 32 deduz-se que
alguns pecados podem ser perdoados na vida futura. A fala de Jesus neste
versículo permite entender que os pecados podem ser perdoados em vida ou depois
da morte. O único pecado que não será perdoado em nenhum estágio da vida humana
é o pecado contra o Espírito Santo.
A Igreja Católica se
apóia também em 1ª Cor 3, 13. 15. Neste texto, Paulo fala que a qualidade da
obra de cada um será provada pelo fogo e que a prova do fogo permitirá a
salvação. A imagem deste fogo purificador foi utilizada pelos antigos autores
cristãos para referir à condição do que mais tarde foi chamado de purgatório.
O “lugar de
purificação” foi definido pela primeira vez pelo Concílio de Lião I, em 1245. O
termo grego correspondente é katharterion.
Alguns Padres da Igreja cogitaram uma purificação dos fiéis depois da morte,
mas a doutrina foi somente definida pela Igreja no Concílio de Lião I, em 1245.
Além disso, faltava um nome para designar este lugar. O mesmo concílio fixa o
termo Purgatórium (“Nós, que segundo
a tradição e autoridade dos santos Padres denominamos “purgatório”, queremos
que, de agora em diante, seja por eles chamado com este nome”).
A doutrina deste
concílio utiliza os seguintes argumentos: 1º - Há pecados que são perdoados
depois da morte (Mt 12, 32); 2º - Há um fogo purificador para reparar estes
pecados leves que permaneceram com o morto (1ª Cor 3, 13.15); 3º - A Igreja pode ajudar estes penitentes mortos
com suas orações de sufrágio e 4º - Este fogo transitório (transitório igne) permite ao morto entrar no céu totalmente
purificado.[3]
3.
A canonização dos santos
A canonização é o
reconhecimento da Igreja que de uma pessoa alcançou céu. Nos primeiros séculos
do cristianismo, o reconhecimento público era feito por aclamação. Mais tarde,
instituiu-se um processo para apurar a vida de um santo e os milagres
atribuídos à sua intercessão antes de inscrevê-lo na lista dos santos.
A canonização é um
procedimento eclesial. Atualmente, as normas são regidas pela Constituição
Apostólica Divinus Perfectionis Magister
de João Paulo II, de 1983. O culto público dos santos é decretado pelo papa,
depois da investigação sobre a vida de fé do candidato.[4]
4.
O culto de dulia e hiperdulia
O embrião do culto aos santos é o testemunho dos mártires: Os
cristãos primitivos começaram comemorando o aniversário da morte dos mártires e
a partir disso se desenvolveu um culto chamado dulia. Por considerar que aqueles justos estão mais próximos de
Deus, então, começaram a tomá-los como auxiliares em suas orações.
Em 156, a comunidade de
Esmirna noticia através de uma carta que eles comemoraram o aniversário do
martírio de Policarpo e conservava suas relíquias. 2º Reis 13, 21 relata um
caso de ressurreição a partir do contato com os ossos do profeta Eliseu. A
partir do século IV, os cristãos começaram a manter um calendário do
aniversário de morte dos mártires. Os exemplos e heroísmos eram recordados na
liturgia.
A Igreja Católica
acredita que Jesus é o único mediador
entre Deus e os homens (1ª Tm 2,5). Maria e os santos são auxiliares e
intercessores, eles não podem mediar a salvação, apenas podem rezar a Jesus
pelos fiéis vivos. A Tradição distingue dois tipos de cultos: a) latria – culto de adoração prestado
somente a Deus; b) dulia – culto de
honra e de veneração prestado aos santos. Para Maria, utiliza-se o termo hiperdulia e para José, protodulia. São apenas termos
distintivos para expressar que eles merecem uma homenagem maior.
5.
Oração de intercessão
A intercessão parte do
pressuposto de que aqueles que alcançaram o céu e estão próximos de Deus podem
orar pelos fiéis vivos. A crença é sustentada pela confiança de que o valor da
oração pode ser reforçado por quem está mais perto de Deus. A Igreja Católica distingue “intercessão” de
“mediação”. A intercessão significa o santo pedir a Deus pelo fiel. É apenas um
ato de oração. A mediação diz respeito à salvação e só Cristo pode fazê-lo. É
um ato de redenção (1ª Tm 2,5).
Há descrições no
Apocalipse que apontam para a possibilidade de intercessão. Em Apocalipse 5, 8,
os vinte e quatro anciãos estão diante do cordeiro com taças com orações dos
santos. Em 8, 4, a oração dos santos é intermediada (intercessão) pelas mãos do
anjo para chegar até Deus. Segundo a interpretação católica, estes textos
sugerem que os anjos intermedeiam as orações dos fiéis.
6.
Oração de sufrágio
A oração de sufrágio se
apoia na crença de que os vivos podem orar pelos mortos que ainda não
alcançaram o céu, mas estão num estágio intermediário (purgatório). O texto de
2º Macabeus 12, 43-46 assegura que a esperança na ressurreição torna válida a
oração pelos mortos. O apóstolo Paulo pede que o Senhor conceda misericórdia a
Onesíforo (2ª Tm 1, 18). A tradição católica interpreta este texto de uma
indicação de oração por um morto.
Os seguintes Padres da
Igreja se pronunciaram a favor da oração pelos mortos: João Crisóstomo
(349-407), Tertuliano de Cartago (202), Cipriano de Cartago (258), Cirilo de
Jerusalém (386) e Ambrósio de Milão (340-397). Nos séculos III e IV, o costume
de oração pelos mortos esteve vinculado à liturgia.
Em 998, Odilon de Cluny
iniciou o costume da festa dos fiéis defuntos. A partir do papa Silvestre II a
prática foi recomendada para toda a Igreja.
7.
O uso de imagens no culto
O Antigo Testamento
desconhece a categoria de “imagens de santos”. Na Bíblia, há textos proibitivos
e textos prescritivos para fabricação de imagens. Qualquer imagem que representasse
um deus pagão (ídolo) era proibida (Ex 20,4). Mas as imagens que serviam para
ornamentar o Templo eram permitidas. Deus ordenou que os israelitas colocassem no
Templo uma arca, um propiciatório ladeado de dois querubins (Ex 25, 18), que pusessem
um candelabro, sete lâmpadas (Ex 25, 31.37) e também foi ordenado o uso de
vestimentas sacerdotais (Ex 28, 2).
A veneração das imagens
foi motivo de uma longa controvérsia do século VIII ao IX, a chamada
controvérsia iconoclasta. O período durou de 726 a 843.[5]
Depois de muitas disputas o II Concílio de Niceia definiu o uso de imagens da
seguinte forma:
De
fato, quanto mais são contemplados na imagem que os reproduz,
tanto mais os que contemplam as são levados à recordação e ao desejo dos modelos
originais e a tributar
a elas, beijando-as, respeito e veneração; não, é claro, a verdadeira adoração própria de nossa fé,
reservada só à natureza divina,
mas como se faz para a representação da cruz preciosa e vivificante, para os
santos evangelhos e os outros objetos sagrados, honrando-os com a oferta de
incenso e de luzes segundo o piedoso uso dos antigos. Pois “a honra prestada à
imagem passa para o modelo original”, e quem
venera a imagem venera a pessoa de quem nela é reproduzido.[6]
A
definição acima especifica que o uso de imagens tem três objetivos: a) recordar
a vida dos fiéis que nos antecederam; b) despertar o desejo de imitar seu
exemplo e c) homenagear seu heroísmo de fé. Para que isto surta o efeito
desejado, é necessário esclarecer que “a verdadeira adoração própria de nossa
fé, reservada só à natureza divina” e que a homenagem que se presta às imagens
dirige-se a quem é representado (significado) e não à representação
(significante).
Com
a retomada da controvérsia pelos reformadores, o Concílio de Trento retomou a
matéria e pontuou:
Além
disso, deve-se conceder a devida honra e veneração às ima g e n s de Cristo, da
Virgem Deípara e dos outros Santos, a serem tidas e conservadas principalmente
nos templos, não por
crer que lhes seja inerente alguma divindade ou poder que justifique tal culto,
ou porque se deva pedir alguma coisa
a essas imagens ou depositar confiança nelas como antigamente faziam os
pagãos, que punham sua esperança nos ídolos [cf. Sl 135,15-17], mas porque a honra prestada a elas se refere
aos protótipos que representam, de modo que, por meio das imagens que
beijamos e diante das quais nos descobrimos e prostramos, adoramos a Cristo e
veneramos os Santos cuja semelhança apresentam. Tudo isso foi sancionado pelos
decretos dos Concílios, especialmente do segundo Sínodo de Nicéia, contra os
iconoclastas.[7]
Esse
concílio disse que a veneração das imagens não significa professar que elas
possuam “divindade” ou “poder” e não se deve depositar “confiança” nelas quando
se faz um pedido. As imagens são somente representações. A atenção deve estar
voltada para quem elas representam. Todos estes atos têm de apontar para
Cristo, o centro da fé.
8.
Considerações finais
O culto ao santo é uma
doutrina eclesial que foi desenvolvendo e agregando novas práticas. O ponto de
partida é a comemoração da memória dos mártires. A esperança de que aqueles que
nos precederam estão nos céus e mais pertos de Deus gerou a confiança de pedir
a intercessão deles. Portanto, da preservação e da comemoração dos mártires como
modelos de fé cresce também a intercessão, depois a instituição de um culto de
veneração.
As imagens são
expressão da necessidade de relembrar o testemunho dos mártires e de estimular
para que os outros continuassem a praticar o cristianismo apesar das
perseguições. A memória dos mártires foi uma necessidade da Igreja antiga, sem
esta esperança e encorajamento talvez o cristianismo não tivesse sobrevivido às
perseguições.
O culto ao santo
torna-se idolatria e heresia quando deixa de ser cristocêntrico. Exageros já
existiram e existem na religiosidade de muitas pessoas. A regra geral da fé
católica é manter Cristo como centralidade. Se a devoção aos santos tira essa
centralidade, estamos, de fato, diante de uma heresia. A veneração aos santos
só pode ser aceita se não disputa e nem toma o lugar de Jesus.
Referências:
DENZINGER,
Heinrich; HÜNERMANN, Peter. Compêndio dos
símbolos, definições e declarações de fé e moral da Igreja Católica. São
Paulo: Loyola, 2006.
JOÃO
PAULO II. Constituição Apostólica Divinus
Perfectionis Magister. In: VATICANO. Código de Direito Canônico. Braga: Editorial
Apostolado da Oração, 1983.
WARE, Kallistos. Niceia: O VII Concílio Ecumênico.
Disponível em:
. Acesso em 01 ago. 2019.
[1]
Em grego, a palavra
significa atmosfera e também uma região acima dos astros (STRONG 3772).
[2] O termo grego tinha o significado
de: 1) Hades ou Plutão, deus das regiões inferiores; 2) Orco, o mundo de baixo,
região dos mortos; uso tardio: sepultura, morte, inferno (STRONG G86).
[3] DENZINGER, Heinrich; HÜNERMANN,
Peter.Compêndio dos símbolos, definições
e declarações de fé e moral da Igreja Católica. São Paulo: Loyola, 2006, p.
296-297.
[4] JOÃO PAULO II. Constituição
Apostólica Divinus Perfectionis Magister. In: VATICANO. Código de
Direito Canônico. Braga: Editorial Apostolado da Oração, 1983.
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