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quinta-feira, 25 de julho de 2019

Suplemento da Aula 05 - Estudo Teológico


A TRADIÇÃO CATÓLICA DOS SACRAMENTAIS

Além dos sacramentos, a tradição católica mantém os sacramentais. São sinais sagrados que santificam as circunstâncias do cotidiano. Eles são objetos como rosários, medalhas, escapulários, água benta, bênçãos sobre pessoas e lugares e consagração de pessoas e de lugares.
O uso dos sacramentais precisa ser bem definido. Eles não são objetos e nem ações mágicas, não contém poder em si mesmo. São apenas sinais para exteriorizar a fé na ação de Deus. Se se extrapola o limite entre sinais e o próprio poder divino cai-se em heresia.
A tradição católica justifica o uso dos sacramentais a partir de uma transferência de sentido de textos do Antigo Testamento como: a) Uso de óleo – Ex 30, 26-30; b) de túnicas – Ex 28,40; c) de candelabros – Ex 27, 20; d) de incenso – Ex 30, 34 e c) de água – Ex 30,17.
Um dos sacramentais mais populares do catolicismo é o rosário. A história do rosário está ligada a Domingo de Gusmão (1170-1221). Segundo uma lenda, Nossa Senhora lhe recomendou a recitação do rosário para combater os hereges. A forma atual do rosário é um desenvolvimento cultural dos séculos XIV e XV. Há outra explicação de quem o rosário surgiu dos costumes dos monges analfabetos de recitarem 150 pais-nossos como compensação da oração dos 150 salmos.
De fato, o rosário não é bíblico. É uma tradição eclesial católica que recitam verdades bíblicas: Pai nosso (Mt 6, 9-13), Ave-Marias (Lc 1, 28; Lc 1, 42 mais uma invocação eclesial a partir do dogma do Concílio de Éfeso), o Credo é uma profissão de fé que remonta provavelmente ao tempo dos apóstolos) e os mistérios são recordação de eventos da vida de Jesus.
Portanto, uma reflexão teológica sobre o rosário precisa frisar alguns pontos: a) O rosário só tem sentido se for cristocêntrico; b) o rosário não é uma oração mágica que promete benefícios especiais que nenhum sacramento dá; c) não há nenhuma revelação privada que ponha o rosário acima de qualquer sacramento.
O problema que pode existir com o rosário dependerá de cada fiel. E o mais grave é o desvio da centralidade de Cristo. Quanto à repetição de orações como são as litanias, não é novidade do catolicismo. O costume do judaísmo do templo está ligado à repetição dos salmos.

quarta-feira, 24 de julho de 2019

Suplemento da Aula 05 - Estudo Teológico


O CASO DOS IRMÃOS DE JESUS:
ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES DISPONÍVEIS

1. Os dados dos evangelhos canônicos

Mc 6, 3 trata Tiago, Joset, Judas e Simão como irmãos de Jesus. Neste mesmo versículo fala também de suas irmãs sem nomeá-las. Vamos levantar os dados:
TIAGO - Em Mt 10, 2-3, há uma informação de que havia dois Tiagos: Tiago, filho de Zebedeu e Tiago, filho de Alfeu. Esta informação impede que eles sejam filhos de José. Mt 27, 56, diz que José e Tiago são filhos de Maria. Se nenhum dos Tiagos é filho de José, neste caso irmão sendo utilizado em outro sentido. E Maria neste caso também, é outra pessoa. Jo 19, 25 informa que aos pés da cruz havia três Marias, a mãe de Jesus, Maria de Mágdala e a mulher de Cléofas.[1] Então, a esposa de Cléofas se chamava Maria. Portanto, Tiago e José são filhos de Cléofas e de Maria. Além disso, a expressão “a irmão de sua mãe, Maria mulher de Cléofas” pode indicar que ela era tia de Jesus.
JOSÉ – também chamado de Joset. Era filho de Maria e de Cléofas e irmão de Tiago. Segundo Hegesipo, Maria, mãe de Jesus, e Maria de Cléofas eram cunhadas. Uma das razões é que comumente um judeu não colocaria duas filhas com nomes iguais (Eusébio, História Eclesiástica, Lv III, XI,1). Cléofas seria irmão de José, pai de Jesus.
JUDAS – Na Epístola de Judas 1,1, ele se apresenta dizendo que era irmão de Tiago.
SIMÃO – é difícil estabelecer uma relação. Mas alguns sugerem que ele também era filho de Cléofas (posição do acadêmico dos Estados Unidos, James Tabor). Esta informação foi transmitida pelo historiador Hegesipo.

2. A explicação do Protoevangelho de Tiago (segunda metade do século 2º)

O Protoevangelho de Tiago defende que José era viúvo e os irmãos de Jesus eram filhos somente de José.

3. A posição da Igreja Primitiva

A virgindade perpétua de Maria é uma crença antiga. Eusébio de Cesareia e Epifânio de Salamina acreditavam também que os irmãos de Jesus eram filhos do primeiro casamento de José. Jerônimo discordava desta posição e considerava que os irmãos eram primos de Jesus.
As duas posições foram utilizadas na antiguidade para harmonizar os termos do Novo Testamento com a crença na virgindade perpétua. O fato de nenhum texto dizer explicitamente que os irmãos de Jesus eram, de fato, filhos de Maria, permite as duas interpretações “primos” ou “meio-irmãos”.


[1] O nome de Clopas varia como Cléofas e Alfeu.

Aulas 05 e 06 - Estudo Teológico


RESUMO DE “TÓPICOS DE APOLOGÉTICA”
Introdução aos Estudos da Teologia:
Eucaristia, símbolos litúrgicos, Maria e culto aos santos

1. A celebração da Eucaristia nos domingos é uma mudança que os primeiros cristãos fizeram passando o dia do descanso para o primeiro dia da semana (dia do Senhor).
2. Há testemunhos na igreja primitiva sobre a observância do domingo: 1º Didaquê (anos 65-80); 2º Epístola de Barnabé (anos 96-98); 3º Inácio de Antioquia que foi discípulo de Pedro e de Paulo testemunhou que os cristãos guardavam o domingo (ano 107); 4º Justino antes de 165 diz o mesmo.
3. Os símbolos litúrgicos foram uma herança do judaísmo antigo. O Antigo Testamento ordena o uso de lâmpadas e de estátuas de querubins (Ex 25, 18; Ex 25, 31.37).
4. O embrião do culto aos santos é o testemunho dos mártires: Os cristãos primitivos começaram comemorando o aniversário da morte dos mártires e partir disso se desenvolveu um culto chamado dulia. Por considerar que aqueles justos estão mais próximos de Deus, então, começaram a tomá-los como auxiliares em suas orações.
5. Dentre todos os santos Maria se destacou por ser a Mãe de Deus: O culto a Maria tem uma ênfase no catolicismo porque ela é a pessoa com o maior título possível – Mãe de Deus. Por razões lógicas, os cristãos antigos entendiam que se Jesus era Deus e Maria era sua mãe, então, ela era a Mãe de Deus.
6. A relação de Maria com Jesus e a própria natureza de Jesus foram alvos de divergências na igreja antiga. São as chamadas “disputas cristológicas”. Em 431, o Concílio de Éfeso chegou ao consenso de que Maria poderia ser chamada de Mãe de Deus (Theotokos).
7. A exaltação de Maria tem seu fundamento em Lucas: “Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo!” (Lc 1, 26). “Bendita és tu entre as mulheres e bendito o fruto do teu ventre!” (Lc 1, 42). A saudação da Ave-Maria se baseia nestas palavras e a Igreja acrescentou: “Santa Maria, Mãe de Deus, (Concílio de Éfeso), rogai por pecadores agora e na hora da nossa morte” (Jo 2, 1-5).
8. O dogma mariano da maternidade divina foi afirmado para resolver o impasse sobre as duas naturezas de Cristo. Ao definir que Jesus é igualmente Deus e homem, por consequência, se afirma que Maria é mãe de Jesus homem e de Jesus Deus. Não quer dizer com isso que ela seja mãe do Pai e do Espírito.
9. Um fragmento de papiro do século III encontrado no Egito traz a oração Sub tuum praesidium. É uma prova de que naquela época os cristãos já invocavam Maria com o título de Mãe de Deus.
10. Os principais dogmas marianos são: (1) maternidade divina – definido pelo Concílio de Éfeso em 431, (2) Virgindade perpétua – definido pelo Concílio de Trento em 1555, (2) (3) imaculada conceição – definido pelo papa Pio IX em 1854 e (4) assunção aos Céus – definido pelo papa Pio XII em 1950. 
11. Os dogmas marianos foram definidos por concílios e por papas, mas retomam crenças que são do cristianismo antigo. A maternidade divina é uma conclusão lógica de Lc 1, 35. Se o filho de Maria será chamado “Filho de Deus”, portanto, ela é a “Mãe de Deus”.
12. A virgindade perpétua é uma interpretação do que o anjo Gabriel fala em Lc 1, 34 e 35. Maria não conhecia homem nenhum, logo o anjo diz que o Espírito Santo viria sobre ela. A continuidade da sua virgindade após o nascimento de Jesus é pressuposta de Mt 1, 25.
13. A Igreja Católica acredita que Jesus é o único mediador entre Deus e os homens (1 Tm 2,5). Maria e os santos são auxiliares e intercessores, eles não podem mediar a salvação. A Tradição distingue dois tipos de cultos: a) latria – culto de adoração prestado somente a Deus; b) dulia – culto de honra e de veneração prestado aos santos.
14. Em 1754, o Concílio de Hieria condenou o uso de imagens, mas foi considerado nulo. O 2º Concílio de Niceia aprovou a veneração dos ícones em 787. Este concílio entendeu que a proibição bíblica de imagens se restringe a ídolos. A iconoclastia foi retomada durante a Reforma Protestante.
15. Martinho Lutero, embora não aceitasse o culto aos santos, tinha grande apreço por Maria ao chamá-la de “a altamente louvada virgem Maria” (Magnificat, texto de Lutero de 1521). Lutero admitia o uso pedagógico das imagens. Já Calvino teve uma reação mais dura chegando a uma verdadeira iconofobia (“aversão às imagens”).
16. O iconoclasmo da Reforma Protestante levou a Igreja Católica a reafirmar sua posição no Concílio de Trento: As imagens podem ser honradas e veneradas por causa de quem elas representam, mas não se deve acreditar que exista divindade ou poder nelas e nem colocar a confiança nelas. A adoração pertence somente a Cristo (Sessão XXV, 1563).
17. A tradição católica entende que a proibição de imagens refere-se aos ídolos (deuses pagãos). No Antigo Testamento há textos favoráveis e desfavoráveis ao uso de imagens. No Êxodo 20, 4, o autor diz “não farás para ti imagem esculpida de nada” e Isaías 44, 15-17 critica a fabricação de ídolos. Porém, a) nas instruções para a construção do Templo que estão no capítulo 25, Deus ordena que os israelitas coloquem no Templo uma arca, um propiciatório ladeado de dois querubins (Ex 25, 18), que ponham um candelabro, sete lâmpadas (Ex 25, 31.37) e também é ordenado o uso de vestimentas sacerdotais (Ex 28, 2). B) Deus pede que Moisés faça uma serpente de bronze para fins de cura (Nm 21, 8-9).
18. Por acreditar na vida eterna, a Igreja se comunica com seus fiéis mortos de dois modos: a) pela intercessão dos santos – pedindo que os mortos orem pelos vivos; b) pela oração pelos mortos – os vivos orando pelos mortos penitentes. Há exemplos de oração pelos mortos no Antigo Testamento (2 Mc 12, 43-46; Tobias 12,12; Jo 1, 18-20). Eclo 38, 16 aconselha honrar a sepultura de um morto.
18. Por volta de 160 depois de Cristo, no Martírio de São Policarpo temos o testemunho de que os primeiros cristãos guardavam os ossos dos mártires e comemoravam seus aniversários de morte como memória e estímulo ao exemplo (Martírio de Policarpo 17,2.18).
19. A doutrina do Purgatório é a crença de que aqueles que morreram com pecados leves podem se purificar na vida futura. De Mt 12, 32 deduz-se que alguns pecados podem ser perdoados na vida futura. O “lugar de purificação” foi definido pela primeira vez pelo Concílio de Lião I, em 1245. [Purgatório não é um nome bíblico].
20. Nos séculos II, III e IV, os cristãos oravam pelos mortos: a crença aparece nos Atos de Paulo e Tecla (160); Perpétua o faz em favor de seu irmão em 203; Clemente de Alexandria acreditava no fogo purificador depois da morte e Efrém da Síria que nasceu, em 306, acreditava que a oração dos vivos ajudam os mortos que partiram sem atingir as virtudes.


Conceição de Ipanema, 25/07/2019

terça-feira, 23 de julho de 2019

Suplemento da Aula 03 - Estudo Teológico

A divisão da administrativa dos ortodoxos.

O que os cristãos antigos entendiam por Igreja Católica Apostólica?

Os credos antigos trazem o artigo “et in sanctam unam catholicam Ecclesiam”, isto é, “[creio] na Santa Una Igreja Católica”. São formas de símbolos batismais que são versões do texto de Hipólito de Roma de 215, a Tradição Apostólica. Portanto, o que era a Igreja Católica e Apostólica?
O sentido contemporâneo do termo nos confunde porque depois da Reforma Protestante, a palavra ”católico” se usou em oposição “protestante”. Mas na antiguidade, a Igreja Católica era o conjunto de igrejas que se reunia em torno da tradição da pentarquia. A pentarquia é os cinco patriarcados mais importante do cristianismo antigo: Igreja de Roma, de Constantinopla, de  Antioquia, de Jerusalém e de Alexandria.
É católico no sentido de ser universal, aberta e que congrega a todos. É apostólica porque foram fundadas a partir da autoridade e do ensinamento dos apóstolos. Cada apóstolo foi fundador ou bispo de uma destas sedes: Roma – Pedro; Constantinopla – André; Antioquia – Paulo e Pedro; Alexandria – Marcos e Jerusalém – Tiago.
Os antigos entendiam que os bispos que sucederam os apóstolos são seus representantes até hoje. Portanto, são autoridades na transmissão da fé cristã. O papa Francisco é o sucessor de Pedro como bispo de Roma; Bartolomeu I é o sucessor de André como bispo de Constantinopla; Ignatius IV é o sucessor de Pedro e de Paulo como bispo da Antioquia; Petros IV é o sucessor de Marcos como bispo de Alexandria e Diodoros é o sucessor de Tiago como bispo de Jerusalém.
As igrejas da pentarquia tinha o bispo de Roma como o primus inter pares. Elaboraram os sete concílios ecumênicos e formaram a fé ortodoxa. Mas em 1054, houve a separação entre as igrejas do Oriente e as do Ocidente. Constantinopla se intitulou a sede das igrejas orientais (as ortodoxas).
Atualmente, o termo Igreja Católica Apostólica significa o conjunto das igrejas católica e ortodoxa. Por causa do Grande Cisma elas estão separadas porque não reconhece o papa como sinal de unidade dos cristãos. Em 1964, teve uma reaproximação entre o papa e o patriarca de Constantinopla com a extinção da excomunhão mútua entre elas. O termo católico inclui outras igrejas além da romana.

Aulas 03 e 04 - Estudo Teológico


RESUMO DE “INTRODUÇÃO À APOLOGÉTICA”
Introdução aos Estudos da Teologia

I – Pressupostos para a apologética

1. A Apologética: é um exercício teológico de defesa da fé. São um conjunto de explicações, fundamentações e provas para defender pontos de fé conflituosos da crítica externa à Igreja Católica.
2. Na primeira metade do século XX, a apologética católica entrou em muitas polêmicas com grupos protestantes. A medida era sempre de debates agressivos.
3. A partir do Concílio Vaticano II, a adesão a ecumenismo levou os padres católicos a utilizarem uma apologética mais bíblica e dialógica.
4. A motivação bíblica da apologética é “santificai a Cristo, o Senhor, em vossos corações, estando sempre prontos a dar razões da vossa esperança a todo aquele que vo-la pede” (1 Pd 3, 3).
5. Uma boa apologética deve ser crítica, dialógica e respeitosa porque o princípio da caridade está acima de qualquer divergência de dogmas (Jo 17, 21).

II – Qual é a fé comum dos cristãos?

6. O catolicismo faz derivar de seus dogmas do Novo Testamento e da Tradição Apostólica reafirmada pelos concílios e sempre interpretada pelo Magistério.
7. Antes de falar em apologética é importante conhecer a História dos Dogmas, de como eles foram formados na Igreja Primitiva.
8. O consensus pátruum e autoridade dos setes primeiros concílios são fundamentais para compreender como o Novo Testamento e a Tradição Apostólica são frutos de uma mesma tradição.
9. O testemunho mais antigo do essencial da fé cristã são os símbolos. Eles são síntese de confissão pública da fé.
10. A obra Epístola dos Apóstolos é um documento de 160-170 depois de Cristo e contém cinco artigos de fé: a) Pai criador do universo; b) Jesus Cristo como salvador; c) Espírito Santo como defensor; d) fé na Santa Igreja; e) a remissão dos pecados.
11. No contexto apologético, usa-se Igreja Católica como oposição à Igreja Protestante, mas a expressão Igreja Católica e Apostólica aparecerá no cristianismo antigo e não possui o exato sentido que atribuímos hoje.
12. A Igreja Católica e Apostólica era uma pluralidade de igrejas locais fundadas a partir da tradição de algum apóstolo, as mais influentes eram: Igreja de Roma, Igreja de Antioquia, Igreja de Constantinopla, Igreja de Jerusalém e Igreja de Alexandria.
13.Em síntese, de 160 até final do século IV, temos dezenas de símbolos que proclama a fé básica dos cristãos: Fé na Trindade, na maternidade virginal de Maria, na morte e ressurreição de Jesus, no julgamento final, na Igreja Católica e Apostólica, na remissão dos pecados e na ressurreição da carne.
14. A maioria das Igrejas Antigas confessa e reconhece esses dogmas porque eles foram herdados dos primeiros pais. Esta é a fé ortodoxa e ecumênica.

III – Os dogmas antigos rejeitados pela Reforma

15. A definição do cânone: O consenso sobre o número de livros inspirados tem seu marco no ano 397 no 3º Sínodo de Cartago. Por definição, eles adotaram o cânone mais amplo que remonta à edição da Septuaginta (século III a. C.).
16. A decisão sobre o cânone é histórica e cultural mesmo o princípio da parcimônia da Sola Scriptura não pode resolvê-lo porque é um fator exterior ao texto bíblico.
17. Definição dos sacramentos: o Batismo (Mt 28, 18-20 Mt 3,13-17; 28, 19-20; Jo 3, 1-8; At 8,36-37; Rm 6,3-11; Gl 3,26-27) e a Eucaristia (Jo 6,22-71; Mt 26, 26-28; Mc 14, 22-25; Lc 22, 19-20; I Cor 11,23-25) são os únicos sacramentos unanimemente aceitos por todas as igrejas. Mas a Igreja Católica sempre conservou os demais sacramentos. A confissão é fundamentada em Jo 20, 21-23 e Mt 16, 18-19. A confirmação está em At2,1-11; 8,14-17;19,1-7. A unção dos enfermos em Mc 6,13; Tg 5,14-15. O matrimônio em Mt 29,4; Ef 5,21-31; I Cor 7,1-7, I cor 13, Cl 3,18ss; Ef 6,1.
18. Em 1547, na 7ª sessão do Concílio de Trento, os bispos proclamaram publicamente a existência dos sete sacramentos por causa do clima de contestação do protestantismo, mas já eram praticados desde a antiguidade.
19. A Igreja acreditou desde o começo de que o pão e o vinho são o corpo e sangue de Jesus (Jesus pediu que fizesse uma ceia em recordação dele. E tomou o pão e o vinho como seu corpo e seu sangue (Mt 26, 26-28). A partir de então, os cristãos se fizeram isto em recordação do Senhor (1 Cor 11, 23-26).
20. A doutrina da transubstanciação é a explicação de que na eucaristia acontece esta transformação do pão e do vinho em corpo de Jesus. É a crença que as espécies mudam substancialmente no corpo de Jesus (linguagem filosófica).
21. A doutrina da consubstanciação: é a explicação de Jesus está presente com o pão e o vinho durante a ceia eucarística (posição dos luteranos).
22. A doutrina da ceia como memorial: é a explicação de que a ceia é memória e símbolo da presença de Jesus e não transformação material do pão em Jesus (posição das demais igrejas protestantes).
23. Desdobramento da doutrina da transubstanciação: A partir da fé na transubstanciação, desenvolveu-se a) o culto eucarístico com a adoração ao Santíssimo; b) e a Missa como sacrifício de Cristo.
23. A confissão e a penitência estiverem presentes na prática da Igreja desde o início. Inicialmente, a confissão era pública, tornou-se auricular obrigatória a partir do Concílio de Latrão IV (1215) por razões pastorais.
24. A ordem possui três graus: o diaconato, o presbiterato e o episcopado. Os diversos nomes que se dão a estes ministérios são costumes culturais (padre, dom, arcebispo, frei, monsenhor etc.)
25. O papa é o bispo de Roma: Ele é considerado um ponto de unidade entre as diversas igrejas locais (primus inter pares). Sua autoridade é exercida em nome da comunhão dos bispos.
26. O primado de Pedro: Os bispos sucessores de Pedro em Roma são considerados o “primus” por causa da escolha que Jesus fez de Pedro em Mt 16, 18. Pedro foi bispo de Roma durante 25 anos (testemunho de Eusébio).
 18/07/2019

Aulas 01 e 02 - Estudo Teológico


RESUMO DE “INTRODUÇÃO CRÍTICA AO CRISTIANISMO”
Introdução aos Estudos da Teologia

I – As fontes do saber teológico

1. A natureza do conhecimento teológico: É um conhecimento coletivo fundamentado em testemunhos subjetivos, históricos, dependentes da experiência de fé dos fundadores.
2. O conhecimento teológico fundamenta-se sobre uma literatura: Todo texto permite diversas interpretações, estas geram diferentes correntes teológicas.
3. O texto bíblico é polissêmico: Ele contém diversos significados e vozes sem uma continuidade e homogeneidade evidentes. Não forma um único bloco. É necessário identificar uma chave de leitura.
4. A interpretação é, portanto, a chave do estudo teológico: A teologia se constrói sobre textos. Isso implica vários significados. Precisamos escolher bons instrumentos para colhermos os melhores resultados.
4. As diferentes igrejas surgem de diferentes interpretações: A diversidade do cristianismo tem uma dupla origem – interpretação e poder.
5. O contraste entre catolicismo e protestantismo: Elegeram diferentes fontes para gerar seus dogmas (posição maximalista e minimalista).
6. Posição minimalista: A Reforma Protestante optou pela redução das fontes de dogmas. A doutrina dos “cinco solas” é a máxima expressão disso.
7. Posição maximalista: As Igrejas Católica e Ortodoxa seguem a Escritura, a Tradição e o Magistério como fonte de derivação de dogmas. Elas optaram por mais fontes.
8. A unidade do cristianismo é um problema insolúvel: A única coisa que pode unir a todos é a caridade. O ecumenismo é um esforço neste sentido.

II - A interpretação e o texto bíblico

9. A interpretação da Bíblia exige instrumentos adequados: A hermenêutica e a exegese são duas técnicas importantes para uma melhor interpretação da Bíblia.
10. A distância temporal: O leitor da Bíblia precisa considerar que ele se distancia 1.900 anos dos autores bíblicos. A sociedade, a cultura, a moral e os costumes eram diferentes.
11. A distância cultural: Duas antigas e diferentes culturas estão na origem da Bíblia: A semita (AT) e a greco-romana (NT).
12. A distância geográfica: O conhecimento da geografia e da política do ambiente bíblico possibilita compreender melhor o texto.
13. A distância linguística: São textos escritos em hebraico (AT) e em grego (NT) com diferentes pensamentos, fraseologias e formas de expressão.
14. A hermenêutica é o campo de estudos que estabelece os métodos adequados para a compreensão e a interpretação dos textos bíblicos.
15. A exegese é a explicação do sentido de um texto bíblico a partir da aplicação de uma técnica.
16. A Teologia Bíblica é o campo que estuda os significados dos textos bíblicos para a compreensão da fé. Ela é um resultado da exegese aplicada.

III - A interpretação e os dogmas

17. A Teologia Dogmática é o campo que estuda e sistematiza as principais doutrinas cristãs. Ela coloca em diálogo a Bíblia e a Tradição.
18. As duas fontes: A Igreja Católica considera a Bíblia e a Tradição como as duas fontes dos princípios da fé e da moral (vide Dei Verbum– posição do Vaticano II).
19. A Igreja gera as Escrituras: o Novo Testamento é fruto da prática eclesial dos cristãos do século 1º e da memória que os apóstolos preservaram de Jesus.
20. As Escrituras geram a Igreja: No cristianismo primitivo este processo é simultâneo, as Escrituras foram sendo escritas enquanto a Igreja estava definindo seus dogmas e suas práticas litúrgicas.
21. Na compreensão da Sola Scriptura não há recurso à Tradição porque os Pais Reformadores fizeram a Igreja derivar do Novo Testamento.
22. A interpretação dos dogmas é reservada ao Magistério da Igreja: O Magistério é uma instância de ensinamento público eclesial cujas autoridades responsáveis são os bispos representados pelo ministério do bispo de Roma.
23. Novas expressões de fé vão sendo geradas pelo sensus fidélium, porém, a Revelação encerrou-se com o último apóstolo. O Magistério tem a única função de atualizar esses dogmas.

IV – O cristianismo primitivo e a ortodoxia

24. O cristianismo antigo compreende um período que vai desde 33 até 337 depois de Cristo, dentro dele está o cristianismo primitivo.
25. O cristianismo primitivo compreende o período de 33 até o início do século 2º: Neste período, a Igreja foi se desenvolvendo e tomando a sua forma original.
26. A Patrística: É o campo da teologia que estuda a literatura do cristianismo primitivo e quais eram as doutrinas, os dogmas e a prática eclesial das primeiras gerações de cristãos.
27. As heresias: O cristianismo antigo era formado por diversos grupos com diferentes crenças. Esta diversidade causava muita divisão. Então, foram instituídos os concílios para fixar as doutrinas e resolver as polêmicas (heresias) por meio do consenso.
28. Os escritos dos Pais da Igreja são o testemunho mais antigo de como era a Igreja Primitiva. O catolicismo usa o consensus patruum como fonte de resolução de divergências de doutrinas.
29. A Tradição Apostólica é o conjunto de todos os ensinamentos que foi recebido pelos primeiros cristãos de forma oral ou escrita dos apóstolos.
30. A ortodoxia: É o ensinamento considerado verdadeiro, genuíno e original preservado pela Tradição Apostólica.

José Aristides da Silva Gamito
Conceição de Ipanema
10/07/2019

quarta-feira, 17 de julho de 2019

Noite Teológica


O CRISTIANISMO APESAR DE CRISTO: IDENTIFICAÇÃO DE UM CONTRASTE ENTRE A ÉTICA DE JESUS E A PRÁXIS CRISTÃ[1]

José Aristides da Silva Gamito[2]

Resumo

Este artigo explora o tema da ética de Jesus a partir do Evangelho de Mateus e da tradição dos dois caminhos da Didaquê e a compara com os valores e os comportamentos da sociedade cristã brasileira, revelando os contrastes e a distância entre os ensinamentos morais de Jesus e a práxis cristã.

Palavras-chave: Cristianismo. Ética de Jesus. Sociedade brasileira.

Abstract

This paper analyzes the Ethics of Jesus in Gospel of Matthew and inthe Two Ways tradition from Didache and compares it to the values and to the behavior of christian brazilian society, revealing the contrast between the teaching of Jesus and christian praxis.

Key-words:Christendom. Ethics of Jesus. Braziliansociety.

1. Introdução

Quando falamos em cristianismo, devemos nos lembrar de que existem, na verdade, cristianismos. Nesta reflexão, não vamos evidenciar o cristianismo institucional (isto é, em igrejas). Abordaremos um tipo de cristianismo comportamental que já ocorria entre os cristãos desde muito tempo, mas tem ganhado atualmente muitos adeptos. Talvez não se trate de um aumento de adeptos, mas de uma maior visibilidade promovida pelas mídias sociais. Já que eles têm mais meios para se expressarem e tornarem suas ideias conhecidas. Falaremos a respeito das opiniões e dos hábitos de uma sociedade que se declara cristã.
A este tipo de cristianismo comportamental, eu diria até mesmo cultural, chamaremos no decorrer deste texto de “cristianismo apesar de Cristo”. “apesar de” é uma locução prepositiva. Ela encerra uma ideia de contraste, de oposição.  Com isso queremos falar de um tipo de fé que pode ser expressa nestes termos “apesar de Cristo ensinar isso, eu faço aquilo”. Além de ser um modo de viver a fé cristã em nível comportamental, muitas vezes alguns crentes procuram até fazer alguns ajustes interpretativos para conformar Cristo às suas ideias. Há em vigor um cristianismo adaptativo.
Embora, a proposta deste artigo pareça um pouco acusativa ou moralizante, mas o nosso objetivo é confrontar criticamente o panorama dos valores da sociedade cristã no Brasil e a ética de Jesus que pode depreendida dos Evangelhos. Partindo da identificação de uma sociedade cristã no país, queremos verificar se ela corresponde aos valores defendidos por Jesus nos evangelhos.

2. A existência de uma sociedade cristã

De acordo com o último censo do IBGE, 87,4% da população brasileira se declaram cristãos.[3] Se formos considerar numericamente temos uma sociedade cristã e esperamos dela valores e comportamentos cristãos. Porém, se compararmos alguns princípios fundamentais da ética cristã, nós não encontraremos exata correspondência nas crenças desta sociedade que se intitula cristã. A partir do referencial somativista e de dados de pesquisas do IBGE e do Datafolha, iremos traçar um perfil do cristão brasileiro. Será que ele acredita e defende os valores que estão nos evangelhos?
Comecemos por algumas considerações teóricas. Analisar opiniões ou comportamento de grupos não é uma tarefa fácil. Para as conclusões que vamos utilizar neste artigo, iremos considerar o axioma da Teoria Somativa de Crenças. Ela é uma ferramenta interpretativa da Epistemologia Social. Esta abordagem de crenças coletivas considera que: “Um grupo G crê que P, se e somente se, a maioria dos membros de G creem que P, sob as condições de compartilhamento da crença.”[4] Neste caso, o grupo a ser estudado é a sociedade cristã brasileira e suas crenças são os valores ético que defendem.  Consideraremos como maioria quando o número de pessoas que aprovam ou desaprovam algum valor ou comportamento ultrapassa 50% de cristãos. O grupo “sociedade cristã brasileira” não é um grupo com fronteiras definidas e homogêneo.
Por meio de dados de pesquisa, veremos o quadro de valores dos cristãos brasileiros a respeito de assuntos como solidariedade e não-violência. Vamos ao primeiro ponto: solidariedade. Pesquisas realizadas pelo CAF (Charities Aid Foundation) e IDIS (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social) apontam que até dois terços da população brasileira fazem doações para causas tradicionais.[5]Isso significa que apenas 69,3 milhões de brasileiros fazem caridade regularmente. Há 139 milhões que não têm a prática. Por mais que exista um discurso a favor da solidariedade, os cristãos não têm, em sua maioria, um hábito sistemático e eficaz de praticar a caridade e a solidariedade.
A existência da pobreza e das grandes desigualdades sociais reflete também este contraste entre uma sociedade cristã e os valores do Evangelho. Em 2017, 5,2 milhões de pessoas passaram fome no Brasil. Nesse mesmo ano, 15 milhões de pessoas estavam na pobreza. São pessoas que vivem com R$ 210 por mês. Outro dado mostrava que aqueles que vivem apenas R$ 400 por mês eram 55 milhões. Um relatório da Oxfam de 2018, no Brasil cinco bilionários tinham um patrimônio equivalente ao da metade dos mais pobres.[6]A aceitação da desigualdade econômica é vista como algo natural.


O segundo valor que vamos verificar é a não-violência. Uma pesquisa do Datafolha de 2018 mostra que 57% desta sociedade cristã apoiam a pena de morte e 42% são favoráveis à legalização da posse de arma de fogo. Quando o assunto é relativo à sexualidade os números mudam. 57% da população se declaram contra o aborto e acham que as mulheres que praticam o aborto deveriam ser presas.
Quando o tema é violência, a maioria desta sociedade cristã aposta em meios violentos para conter a violência. Além de existir uma cultura sistemática de violência no meio desta sociedade. O direito à vida é defendido para o nascituro, mas não é defendido para o criminoso. Há uma incompatibilidade entre o discurso pacifista do cristianismo e a opinião da maioria dos cristãos brasileiros.

Há muitos outros princípios que poderiam ser avaliados, mas utilizaremos a relação que o cristão brasileiro tem com a solidariedade, a paz e a justiça para comparar, se na prática, temos uma sociedade cristã ou um “cristianismo apesar de Cristo” em vigor. Os dados que apresentamos mostram um conjunto de valores sustentados pela sociedade cristã que podem ser chamados de contravalores sob o ponto de vista dos evangelhos. São posturas inegáveis porque são assumidas publicamente por muitos cristãos em redes sociais e aparecem nas conversas informais, nas atitudes e são quantificados pela estatística. A seguir, examinaremos a ética de Jesus a partir do Evangelho de Mateus e da tradição dos dois caminhos da Didaquê.

3. Os princípios gerais da ética de Jesus

A nossa proposta é identificar a ética de Jesus a partir do Evangelho de Mateus. A partir desta motivação do dever do discípulo, vamos trabalhar em cima de dois termos de Mateus éleos (misericórdia) e dikaiosyne (justiça). Quando Jesus se aproximou de João para ser batizado, e este resiste a batizá-lo, a sua resposta é “convém cumprir toda a justiça” (Mt 3, 15). Todo o seu ministério é entendido no Evangelho de Mateus como um cumprimento da justiça. A justiça de Jesus contém um paradoxo. A sua medida é a misericórdia.
A palavra éleos define bem a ética de Jesus. Ela aparece em Mateus 9,13; na expressão “misericórdia que eu quero, e não sacrifício”. Em 12, 7, ele repete esta expressão, aplicando-a à polêmica sobre práticas ilícitas em dia de sábado. Jesus defende que a misericórdia é mais importante do que o ritual religioso. Quem inverte esta ordem não está aderindo aos seus valores. Os misericordiosos ganham uma bem-aventurança em Mt 5, 7. As práticas rituais têm de estar coerente com os valores da justiça, da misericórdia e da fidelidade (Mt 23, 23). Diferentemente, da prática religiosa dos grupos de seu tempo, Jesus considera os sentimentos, a intenção, mais importante do que o apego ao culto exterior. E acima de tudo, a finalidade das nossas ações tem de estar claras. Não devemos cumprir uma norma simplesmente para afirmar que somos religiosos.
A segunda palavra-chave no Evangelho de Mateus é dikaiosyne (justiça). Jesus espera um comportamento dos seus discípulos. Seu convite é para que exerçam a justiça. Ela acontece nas relações interpessoais. Mateus distingue uma justiça de Deus e uma justiça do povo. A justiça de Deus é o estado das coisas quando Deus reina (Mt 6,33). A justiça dos discípulos é compreendida como a fidelidade no ensino e na prática dos mandamentos (Mt 5,19). De modo geral, encerra o sentido de uma conduta esperada.[7]
O discurso da montanha (Mt 5, 1-12) identifica o discípulo ideal.  Duas bem-aventuranças são bem significativas para exemplificar a preocupação que Mateus tem com a justiça e a misericórdia. A primeira é “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, pois serão satisfeitos (Mt 5,6) e a segunda é “Bem-aventurados os misericordiosos, pois obterão misericórdia” (Mt 5,7). A busca pela justiça e pela misericórdia está no coração das bem-aventuranças.
A gratuidade é um princípio distintivo da ética de Jesus. Esta gratuidade aparece com um forte acento na releitura que Jesus faz da Lei em Mateus 5. A interpretação dos mandamentos está vinculada ao sentido de cumprimento da justiça. Jesus pede que seus discípulos superem a “justiça dos fariseus”. Os fariseus cumpriam seus deveres religiosos com interesse de recompensa do público e agiam de modo hipócrita. Jesus enfatiza a necessidade de melhorar as relações interpessoais.
A releitura que Jesus faz da Lei em Mateus 5 estabelece um contraste entre o que os antigos diziam e aquilo que ele diz. Todos os textos iniciam com a expressão “Ouvistes (ekoúsate) dos antigos... porém, eu vos digo”. O primeiro ekoúsate (ouvistes) proíbe o assassinato a partir de suas raízes (Mt 5, 21). A ética de Jesus não visa apenas as consequências dos fatos, mas, antes se direciona para a causa dos males. A ira é causa do assassinato, portanto, devemos evitar irritar os outros e também nos irritar. Assim raciocina o didaquista: “Não seja colérico porque a ira conduz à morte. Não seja ciumento também, nem briguento ou violento, pois o homicídio nasce de todas essas coisas”. O último ekoúsate radicaliza exigindo o amor aos inimigos. Lemos em Mateus 5, 44: “Amem os seus inimigos e orem por aqueles que os perseguem”. A Didaquê completa este sentido dizendo “ame aqueles que o odeiam e assim você não terá nenhum inimigo.” O dever do cristão é optar pelo pacifismo e pela reconciliação. A Didaquê prescreve: “Não odeie a ninguém, mas corrija alguns, reze por outros e ame ainda aos outros, mais até do que a si mesmo”.
No capítulo 6, Jesus enumera algumas obras de justiça que são a esmola, o jejum e a oração. A crítica de Jesus quanto essas práticas é a questão da gratuidade. As práticas rituais não podem realizadas tendo como fim o elogio do público. O sentido de sinceridade deve ser mantido. As coisas têm de ser realizadas pelo sentido primário, original da ação e não motivado por outras recompensas. A gratuidade é uma das características da ética de Jesus. Ela aparece tanto na releitura dos mandamentos (Mt 5) quanto nas obras de justiça (Mt 6).
O princípio geral é não agir esperando sempre recompensa ou uma compensação da parte dos outros. Deus age com gratuidade mandando a chuva sobre os bons e os maus (Mt 5,45). O controle de todo o mal está em suas raízes. Se alguém for capaz de controlar suas emoções evitará muitos males. É este controle que evita o homicídio, que evita o adultério e a mentira. Portanto, cumprir a justiça nas relações interpessoais é agir tendo o controle das emoções e agir de modo livre sem expectativa de premiação.
O texto de Mateus 25, 31-46 apresenta um critério de salvação e ele todo está condicionado às relações interpessoais. Há algumas categorias de pessoas que estão no foco da atenção de Jesus e são eles: a) os famintos e os sedentos; b) o forasteiro; c) o nu; d) o doente; e) o preso (Mt 25, 35-36). Só terão direito à herança do Reino aqueles que acolheram estas pessoas. Jesus se dá como a garantia de acolhida dos mais necessitados: “todas as vezes que o deixastes de fazer a um desses pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer” (Mt 25,45).
Jesus está preocupado com o cumprimento da justiça. Ela acontece em duas direções: a) o cumprimento das práticas rituais; b) o cumprimento da caridade com os mais pequeninos (nepíoi). Porém, em ambos os casos Jesus quer que seus discípulos superem a “justiça dos fariseus”. É um tipo de justiça que não se prende à mera obrigação, ela é sustentada pela vontade, pelo envolvimento do interior humano. A ética de Jesus envolve o sentido pleno do ato. A nossa prática não pode visar outro interesse senão aquele que é atingir o bem nas nossas ações. Se não envolvemos a nossa interioridade no ato, estamos alienando a ação ética.

4. Uma sistematização da ética de Jesus

A ética de Jesus é bastante paradoxal. A sua aplicação dentro de uma sociedade capitalista focada no retorno imediato é um desafio. Esta estranheza ocorreu com a sociedade de sua época. A ética da religião judaica era deontológica. A interpretação da Lei a tomava como um dever acima dos sentimentos e das necessidades dos outros. Em diversas ocasiões, Jesus aponta que a vida das pessoas está acima das normas.[8] Ele mostra isso na polêmica da cura em dia de sábado, na sua acolhida à samaritana, à mulher adúltera.
A ética de Jesus envolve também normas, mas não se prende à literalidade das prescrições religiosas. Este é o tipo de ética que é chamada de axiológica. Às vezes, Jesus emprega também uma ética teleológica. É aquela trata a norma da ação a partir da finalidade. Couto chama a ética de Jesus de ética dialógica.[9] Tenho nomeada a sua ética de ética da gratuidade. É um tipo de compreensão das ações como tendo um fim em si mesmo. A motivação de um ato é intrínseca ao valor de bondade do ato e esta motivação vem da interioridade. Não se deve agir com uma motivação secundária, com o intuito de uma compensação como o elogio, a recompensa ou a reciprocidade.
A ética da gratuidade exclui o dever da reciprocidade. Jesus a resume do seguinte modo: “Tudo aquilo, portanto, que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles” (Mt 7, 12). Esta máxima vem a significar que não agimos segundo aquilo que as pessoas nos fazem, mas segundo tudo aquilo que a gente gostaria que elas nos fizessem. Mas somos nós que fazemos primeiro sem nenhuma garantia de que o outro fará. Não esperamos ser cumprimentados para cumprimentar os outros, não esperamos que os outros nos amem para amá-los (Mt 5, 46-47). Amar o inimigo é a exemplificação máxima deste princípio ético.
            A ética da gratuidade exclui a expectativa da recompensa.  Se alguém nos tomam a túnica, nós damos também o manto. Se nos obrigam a caminhar com eles uma milha, caminhamos duas (Mt 5, 40-41). Não buscamos recompensa nos empréstimos e o que faz a nossa mão direita não precisa a esquerda saber (Mt 6, 3). Evidentemente, que Jesus fala da recompensa de Deus. Não é uma recompensa imediata, terrena.
A ética da gratuidade exclui o mal pela causa. A interioridade humana é um centro de decisões. E boas decisões somente ocorrem se houver domínio das emoções. A partir das emoções que causam os homicídios, adultérios e falsos testemunhos. A ira causa o assassinato, o desejo libidinoso gera o adultério. É emblemática a frase de Jesus: “não resistais ao mau” (Mt 5, 38). O mal se vence atacando em suas raízes, não deixando que ele multiplique e nos ganhe. Assim o controle das emoções é o princípio das boas escolhas.
A ética de Jesus prevê uma profunda mudança nas relações interpessoais. O próximo é o alvo da ação moral. Esta relação é motivada pelo amor gratuito. É um amor que inclui o inimigo. O amor ao próximo contém também algumas obrigações. As principais são aquelas elencadas em Mateus 25. As obras de justiça de Mt 6 têm um objetivo ritual. São elas a esmola, o jejum e a oração. São obrigações que o discípulo possui para com Deus, com o próximo e consigo. As obras de misericórdia envolvem exclusivamente o dever com o próximo (a) os famintos e os sedentos; b) o forasteiro; c) o nu; d) o doente; e) o preso (Mt 25, 35-36).
Poderíamos distinguir estas duas dimensões da ética de Jesus dentro da aplicação do conceito de justiça. As obras de justiça de Mt 6 são a dimensão da justiça divina e as obras de misericórdia de Mt 25 são a dimensão da justiça humana, portanto, justiça social. Não tem como refletir sobre a ética de Jesus como se fosse uma caridade privada, facultativa. É uma ética que resulta na justiça social. Do ponto de vista da justiça divina, Jesus tem um grande embate com os fariseus e com o Templo. Eram legalistas, hipócritas e cumpriam a Lei somente pela exterioridade. Do ponto de vista justiça humana, ele cria um embate com os ricos.
A classe do pobre e do pequenino tem a atenção de Jesus. Ele critica o acúmulo de riquezas (Mt 6, 19-21). Ele aconselha ao jovem rico a vender seus bens e os distribuir aos pobres (Mt 19, 21). Se a riqueza impede o homem de viver os valores do Reino, é melhor desfazer-se dela. Por isso, Jesus diz que dificilmente um rico será salvo (Mt 19, 23). Os valores proclamados por Jesus exigem um desapego de si e dos bens materiais. Este desapego é empregado também no sentido de não se preocupar com o amanhã (Mt 6, 25).
As obras de misericórdias de Mt 25 são o ponto culminante deste olhar de responsabilidade sobre o pobre. Aquele que quiser entrar no Reino dos Céus deve praticar a misericórdia e a justiça. As classes dos famintos e dos sedentos, do forasteiro; do nu; do doente e do preso continuam a tradição de justiça social do Antigo Testamento que exigia um cuidado especial com o órfão, a viúva e o estrangeiro. O amor da ética de Jesus não teórico é prático. Não basta só não ser violentos fisicamente com os outros. A fome, o desabrigo e a xenofobia são também formas de violência.

Considerações finais

Concluímos que há uma disparidade, um contraste, entre a ética de Jesus e os valores defendidos por parte da sociedade cristã no nosso país. O resultado prático da ação benéfica da tal sociedade cristã é pequeno. Embora, existam muitos indivíduos cristãos e o bem aconteça. A ética de Jesus tem exigências que incomodam o comportamento da sociedade. A exigência de amar o inimigo, não cometer violência, desapegar-se das riquezas e ajudar os pobres para muitos pode soar apenas em sentido figurativo.
Há em vigor um “cristianismo apesar de Cristo”. Ele instalado nos hábitos culturais e as exigências mais radicais do evangelho são interpretadas em sentido figurativo. Às vezes, alguns conclamam o rigor da Lei do Antigo Testamento para minimizar a exigência ética de Jesus. É o império de um cristianismo moldado pelo egoísmo e pela cultura da violência. A radicalização de alguns setores da sociedade diante das mudanças políticas e sociais do nosso tempo tende a evidenciar este “cristianismo apesar de Cristo”.

Referências

BÍBLIA. Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002.

CICHOSKI, Luiz; RUIVO; Leonardo. Epistemologia Coletiva: crença, justificação e conhecimento de grupo. Veritas, Porto Alegre, v. 62, n. 3, set.-dez. 2017, p. 508-539.

HARTNELL, Caroline; MILNER, Andrew. Filantropia no Brasil: Síntese do Relatório Filantropia para a Justiça Social e Paz, 2018, p. 7.


OXFAM. Nós e as Desigualdades. Brasil: Oxfam Brasil, 2019.

POWELL, Mark Allan. God with us: a Pastoral Theology of Matthew’s Gospel. Minneapolis: Fortress, 1995.




[1] Palestra proferida na Noite Teológica de 11 de julho de 2019 na Paróquia São Simão, em Simonésia, MG.
[2] Bacharel e licenciado em Filosofia, especialista em Docência do Ensino Básico, em Docênciado Ensino Superior e mestre em Ciências das Religiões. Professor de Teoria do Conhecimento no Seminário Diocesano Nossa Senhora do Rosário, Caratinga, MG. E-mail: joaristides@gmail.com.
[4] CICHOSKI; RUIVO, 2017, p. 508-539.
[5] HARTNELL, Caroline; MILNER, Andrew. Filantropia no Brasil: Síntese do Relatório Filantropia para a Justiça Social e Paz, 2018, p. 7.
[6] OXFAM. Nós e as Desigualdades. Brasil: Oxfam Brasil, 2019, p. 12.
[7]POWELL, Mark Allan. God with us: a Pastoral Theology of Matthew’s Gospel. Minneapolis: Fortress,1995, p. 116.
[8] COUTO, Vinicius M. B. N. A Ética de Jesus: uma ética dialógica. INTEGRATIO, v. 2, n. 1, jan. - jun. 2016, p. 5-13.
[9]COUTO, 2016, p. 5-13.