APOCALIPSE DE JOÃO
Introdução
Com exceção de trechos dos evangelhos sinóticos, o Apocalipse de João é
o único deste gênero no Novo Testamento. Porém, se formos buscar na literatura
judaica e na literatura cristã nascente encontraremos outros textos
apocalípticos. Os apocalipses são um tipo de literatura que se caracteriza
pelas revelações sobre os últimos acontecimentos da história, sobre os segredos
do além-mundo com descrições do céu e do inferno e concepções sobre a origem do
mal e do pecado.[1]
Os apocalipses cristãos são uma continuidade do tipo de literatura
judaica iniciada pelos livros de Daniel e de Enoque. Na biblioteca de Nag
Hammadi, foram encontrados 5 apocalipses: Apocalipse de Paulo, 1º Apocalipse de
Tiago, 2º Apocalipse de Tiago, Apocalipse de Adão e Apocalipse de Pedro.
O Apocalipse está estruturado do seguinte modo: 1. Prólogo (Ap 1, 1-3); I
– As cartas às Igrejas da Ásia (1, 4-2, 22); II – As visões proféticas (4,
1-22, 21).
Contexto e interpretação do Apocalipse
O Apocalipse de João é interpretado de diferentes modos. Há a interpretação futurista que quer ver no
simbolismo no livro predições para o fim dos tempos. É um tipo de leitura que
ignora o contexto histórico e social da Igreja do século I. Já a interpretação pretérita enxerga os
acontecimentos descritos como relativos à situação dos cristãos no século I. A interpretação idealista se desprende de
uma cronologia específica e vê toda a narrativa e os símbolos como aplicável a
qualquer época e situação dos cristãos.
A abordagem interpretativa que seguimos é a de que, como todos os
apocalipses, as narrativas simbólicas dizem respeito ao tempo do autor. Para
fins litúrgicos, esta interpretação é atualizada e aplicada ao momento do
leitor. Porém, se sentido preferível será sempre aquele do contexto imediato do
autor.
A perseguição relatada no Apocalipse pode ser o reflexo daquela que os
cristãos da Ásia sofreram por parte do imperador Domiciano por volta de 95. As
igrejas sofriam uma dupla perseguição. Havia uma externa levada a termo pela
política romana e uma interna que vinha das heresias que dividiam os cristãos.
No começo, os cristãos eram vistos como membros de uma seita judaica. Porém, os
judeus tradicionais não os aceitavam por causa da crença na divindade de Jesus.
Além dos desentendimentos que havia entre cristãos e judeus, havia as divisões
internas nas comunidades cristãs. Havia grupos que ensinavam doutrinas
diferentes.
O Novo Testamento está cheio de relatos de perseguição. Os evangelhos já
previnem este tipo de situação que os cristãos enfrentariam. Os Atos dos
Apóstolos relatam as primeiras perseguições por partes das autoridades
judaicas. As cartas procuravam, em muitos pontos, encorajar os cristãos a
enfrentarem as perseguições.
Em Romanos 8, 35-16, Paulo coloca
a tribulação, a perseguição e a espada entre as ameaças que pesavam sobre eles.
Ao encorajar sua audiência, Paulo afirma que “os sofrimentos do tempo presente
não têm proporção com a glória que deverá revelar-se em nós” (Rm 8, 18). As
reclamações sobre perseguição e tribulação aparecem também em Hebreus 10, 32-34
e 1 Pedro 1,6. 2, 12-15.
O Apocalipse inteiro trata de uma revelação dentro de um tempo de
tribulação. Desde a antiguidade, os Pais da Igreja como Ireneu de Lião e
Justino Mártir têm localizando este livro cronologicamente dentro do final do
reinado de Domiciano. Contemporaneamente, esta tese é aceita.[2]
Se tomarmos como chave de interpretação, seguindo a tradição
interpretativa que é utilizada também no apocalipse de Daniel, teremos: “São
também sete reis, dos quais cinco (Augusto,
Tibério, Gaio, Cláudio e Nero) já caíram, e o outro ainda não veio, mas
quando vier deverá permanecer por pouco tempo (Tito).” (Ap 17, 10). O autor continua: “A Besta que existia e não
existe mais é ela própria o oitavo (Domiciano)
e também um dos sete (retorno a Nero)”
(Ap 17,11). Esta identificação coincide com o histórico de perseguições os
cristãos por parte dos imperadores romanos.[3]
A estrutura do Apocalipse
Introdução
(1,1-20):
Introdução
e saudação: 1,1-8;
Visão
do Ressuscitado: 1,9-20.
I. Cartas às Sete Igrejas (2,1-3,22):
Sete
cartas às igrejas: Éfeso, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodiceia.
II. Revelação do sentido da História
(4,1-22,5):
O trono
de Deus: 4,1-11;
Sete
selos: 5,1-8,5;
Sete
trombetas: 8,6-11,19;
Sete
sinais: 12,1-15,4;
Sete
taças: 15,5-16,21;
Queda
da Babilônia: 17,1-19,4;
Triunfo
de Cristo. Nova Jerusalém: 19,5-22,5.
Epílogo
(22,6-21).
As sete Igrejas da Ásia
João estando na ilha de Patmos, escreve às sete igrejas da Ásia: Éfeso,
Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodiceia (Ap 2, 1-3, 22). Elas são dirigidas ao anjo da comunidade e são
apresentadas como palavras de Jesus. Em cada carta, Jesus recebe um título. A
estrutura começa com a expressão “Conheço tua conduta”. Em seguida, João
descreve as qualidades da igreja, exceto, a de Laodiceia que é considerada
morna (Ap 3, 16). Todas terminam com uma promessa ao vencedor.[4]
As visões proféticas
Trono de Deus. As visões proféticas de João tem início
quando uma voz do céu lhe chama para o alto para junto do trono de Deus. Esta
cena de visão de tronos é típica da mística judaica. O trono de Deus estava
rodeado de 24 tronos e os que estavam entorno davam glória ao que estava
sentado no trono (4, 1-11).
Sete selos. Havia um livro com sete selos e deveria ser aberto, mas
não encontravam ninguém digno de fazê-lo. Finalmente, encontra o Leão da tribo
de Judá que fora considerado digno de abrir o livro. A cada selo aberto
corresponde uma revelação. 1º
Selo - Conquista mundial, Cavalo branco; 2º Selo – Conflito e guerra, Cavalo
vermelho; 3º Selo – Fome e escassez, Cavalo preto; 4º Selo – Morte, Cavalo
Amarelo; 5º Selo – Visão do martírio, ou mártires; 6º Selo – Perturbações
“cósmicas” ou sinais do céu, e a marcação dos 144 mil (6, 1-12); 7º Selo – Soar
das sete trombetas dos sete anjos e o Juízo Final (8, 1-5).
Sete trombetas. Depois da abertura do sétimo selo, sete
anjos munidos de sete trombetas começam a tocá-las. A cada trombeta, uma
desgraça se abate sobre a terra. Depois do sétima trombeta, vêm sete sinais. 1ª
trombeta – lançamento de saraiva e de fogo sobre a vegetação da terra (8,7); 2ª
trombeta – fogo que transformou o mar em sangue (8,8); 3ª trombeta – uma tocha
cai sobre os rios e as fontes de água (8,10); 4ª trombeta – escurece a lua, o
sol e as estrelas; 5ª trombeta – traz um “ai”, a abertura do poço do abismo; 6ª
temporada – segundo “ai”, a matança dos homens e 7ª trombeta – terceiro “ai”,
abertura do templo de Deus.
Sete sinais. João vê alguns sinais. 1º sinal – uma mulher
vestida de sol (12,1); 2º sinal – um dragão com sete cabeças (12,3); 3º sinal –
uma besta saindo do mar (13,1); 4º sinal – outra besta saindo da terra (13,11);
5º sinal – o cordeiro com os 144 mil (14,1); 6º sinal – um anjo com o evangelho
eterno e o 6º sinal que abre a próxima seção – sete anos com sete pragas
(15,1).
Sete taças. São derramadas sete taças da ira de Deus (16,1). 1ª taça
- apareceram chagas no corpo de quem tinha o número da besta; 2ª taça – os
mares se converteram em sangue; 3ª taça – os rios se transformam em sangue; 4ª
taça – o sol queimou os homens; 5ª taça – a escuridão tomou conta do reino da
besta; 6ª taça – o rio Eufrates secou e a 7ª taça – um terremoto destruiu todas
as cidades do mundo.
Depois destes eventos, um anjo leva João para ver o julgamento da
Babilônia (17,1). A grande cidade que reina (Roma) é a nova Babilônia (17,18).
Vem o anúncio da destruição da Babilônia (18, 9). No capítulo 20, João recebe a
revelação que Satanás seria preso por mil anos e depois disso teria um reinado
curto (20, 1-3). Toda a tribulação termina com o julgamento das nações (20,11).
A Jerusalém celeste. O capítulo 21 soa como o desfecho feliz de um
filme de terror. João vislumbra um tempo utópico que aconteceria depois das
perseguições dizendo “vi um céu novo e uma terra nova”. Este novo tempo envolve
uma comunhão entre Deus e a humanidade.
Neste tempo que se confunde com um lugar (“Jerusalém nova”), tudo será
renovado. Não existirão mais o sofrimento e nem a morte (Ap 21, 4). A cidade
nova é toda bela, ornada de pedras preciosas. Os seus alicerces são os doze
apóstolos (Ap 21, 9-21). Porém, nela não existe mais templo porque o próprio
Deus habita nela. Não há mais noite e nem dia. Os seus habitantes serão apenas
aqueles que foram inscritos no livro da vida (21, 22-17). Os pecadores serão
atirados no lago ardente (21,8).Na nova cidade, há alimento o tempo todo, as
árvores frutificam todo mês (22,1).
ANEXO
Uma proposta de tradução dos símbolos do
Apocalipse[5]
I – ANIMAIS
Besta – o mal.
Cordeiro – Jesus.
Quatro seres vivos – representam a criação, a vida que flui de Deus.
II – NÚMEROS
3 ½ (metade de 7) - período de tempo definidamente limitado.
4 significa o mundo criado.
6 significa imperfeição.
666 é uma intensificação de 6, como o significa imperfeição, 666 quer dizer
uma tripla imperfeição. Portanto, o mal total. Segundo a interpretação com base
na gematria, este número corresponde à soma das letras do nome KAISAR NERON.
7 significa a totalidade das obras, número completo,
10 significa tudo de.
1000 significa tudo, absolutamente tudo de.
12 é empregado para povo de Deus - as 12 tribos no Antigo Testamento, 12
apóstolos no Novo Testamento.
144 é uma combinação de 12s (12 x 12) e 10s (10 x 10 x 10) significa todo,
absolutamente todo o povo de Deus nos tempos do Antigo e do Novo Testamento.
II - CORES
Preto é fome.
Amarelo é morte.
Branco é vitória.
IV – OBJETOS/LUGARES/PERSONAGENS
Armagedom - no Apocalipse significa literalmente a montanha de
Megido, nome simbólico para a batalha final entre Deus e as forças do mal.
Babilônia - representa Roma e seus imperadores que perseguiram os
cristãos.
Livro ou pergaminho - é o registro celeste.
Tigelas - carregam coisas do céu à terra e vice-versa.
Dragão - representa o diabo.
Olho - é símbolo para conhecimento.
Gogue e Magogue - representam a totalidade do mundo
anti-cristão.
Meretriz - prostituta ou fornicadores representam pessoas de
dentro da Igreja que deveriam ser fiéis ao Senhor e sua Palavra, ou seja, eles
são os “falsos profetas”.
Virgem - cristãos fiéis que se recusam a cultuar outra coisa que não a
Trindade.
Chifres - representam poder, como os chifres de um animal.
Incenso - é a oração.
Jóias - representam glória.
Candelabros - são as igrejas.
Terra representa as religiões não-cristãs organizadas.
Água viva - equivale à vida e verdade.
Mar - representa governo humano maléfico.
Selos - designam algo como propriedade privada. Na antiguidade, porções de
argila pressionadas por anéis de sinete ou selos cilíndricos eram usadas para
atestar propriedade. Para selar um pergaminho, uma porção de argila era
colocada sobre os barbantes que amarravam o pergaminho e depois carimbado.
Água - estagnada representa a morte.
Trombetas - anunciam um evento.
Lagar - retrata o juízo de Deus e o inferno. No lagar o suco ou sangue das
uvas era pisoteado para se fabricar vinho. No juízo de Deus, o sangue dos
pecadores é derramado na morte eterna sob o fardo esmagador da sua ira.
[1]SCHNEEMELCHER,
Wilhelm. New Testament Apocrypha.
Volume Two: Writings Related to Apostles; Apocalypses and Related Subjects. Louisville; Kentucky: Westminster
John Knox Press, 2003, p. 549.
[2] P.86.
[3] P. 87.
[4]
OLIVEIRA, Emanuel Messias
de. Apocalipse. (Apostila). Guanhães,
2005, p. 10.
[5] KLAUS, Ken. Revelando as coisas
assustadoras no livro do Apocalipse. Disponível em: <https://www.editoraconcordia.com.br/web-files/uploads/site/downloads/guia-de-estudos-do-dvd-apocalipse.pdf> Acesso em 23 nov. 2019.